São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 2002

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CINEMA/ESTRÉIAS

"JANELA DA ALMA"

Filme de João Jardim e Walter Carvalho chega a São Paulo e Belo Horizonte após premiações em festivais

Documentário investiga gradações do olhar

DA REPORTAGEM LOCAL

Um filme feito para "transmitir a sensação do que é não ver" chega hoje às telas de São Paulo e Belo Horizonte. Com a forma de documentário e um título em citação (a texto de Leonardo da Vinci), "Janela da Alma" surgiu de um impulso do diretor João Jardim, 8,5 graus (miopia).
"Foi um ponto de partida muito pessoal. Queria falar sobre como não ver influencia a pessoa", diz. De tanto ouvir que o assunto "não dava filme", Jardim percebeu a necessidade de ter junto de si outro diretor, "para que pudesse dialogar". Achou-o no fotógrafo Walter Carvalho, míope também.
Apesar de seu declarado objetivo de ilustrar a relação com a imagem, "Janela da Alma" é também um filme verbal. Jardim diz que não poderia ser diferente. "Conceitualmente, ele está baseado em depoimentos sobre ver ou não."
São 17 entrevistados e muitas gradações de visão entre o modo de ver do cineasta alemão Wim Wenders, que abandonou as lentes de contato por sentir falta de ver menos -ou com mais enquadramento, efeito que os óculos proporcionam-, e o não-ver do fotógrafo esloveno Eugen Bavcar, um "ferido de guerra depois da guerra", que segue fotografando no escuro.
Há também a possibilidade de rever como o escritor José Saramago, que relata para as lentes de Jardim e Carvalho o momento preciso em que se deu conta de que é necessário "dar a volta" nas coisas para vê-las melhor.
Ou ainda uma descrição da "vista rica" do músico brasileiro Hermeto Pascoal, que encontra no estrabismo uma vantagem.
Todos os demais "personagens" de "Janela da Alma" são também artistas, à exceção do vereador de Belo Horizonte Arnaldo Godoy (PT), que é cego, e de sua filha Madalena Godoy, que não tem deficiência visual, e do professor de literatura Paulo Cezar Lopes.
A atriz Marieta Severo fala do desassossego de perder a lente em cena. A artista plástica Carmella Gross pondera que nunca se "pensa fora de foco". O cineasta Walter Lima Jr. diz que aprendeu a ver no cinema. E o poeta Antonio Cícero reflete sobre a metáfora da "janela da alma" e seu jogo de espelhos intrínseco, já que não é a janela que olha, mas alguém que olha pela janela.
Há também depoimentos da cineasta Agnès Varda, da atriz Hanna Shygulla, dos escritores João Ubaldo Ribeiro e Oliver Sacks, do poeta Manoel de Barros e da cineasta de animação Marjut Rimminen.
Ao alinhavar as entrevistas, Jardim diz ter percebido que "menos é mais". "Toda vez que eu colocava mais de uma pessoa dizendo a mesma coisa, aquilo ficava redundante de uma maneira grosseira."

Deserto
O critério para selecionar as imagens que entrecortam os depoimentos é mistério que não se explica. "Eu tinha vontade de ter uma imagem que representasse o vazio, a ausência de informação, em contraposição ao acúmulo que a gente vive hoje em dia. Filmamos o deserto. Mas com que monta isso? Até hoje não sei explicar como cada imagem entrou em seu lugar."
Até aqui, a intuição dos diretores convenceu público e crítica. Com participações em festivais no Ceará, em São Paulo, em Paris e na Rússia, o filme soma sete prêmios, atribuídos por júris oficiais e populares. (SILVANA ARANTES)


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