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CINEMA/ESTRÉIAS
"JANELA DA ALMA"
Filme de João Jardim e Walter Carvalho chega a São Paulo e Belo Horizonte após premiações em festivais
Documentário investiga gradações do olhar
DA REPORTAGEM LOCAL
Um filme feito para "transmitir a sensação do que é não ver" chega hoje às telas de São Paulo e Belo Horizonte. Com a forma de documentário e um título em citação (a texto de Leonardo da Vinci), "Janela da Alma" surgiu de um
impulso do diretor João Jardim,
8,5 graus (miopia).
"Foi um ponto de partida muito
pessoal. Queria falar sobre como
não ver influencia a pessoa", diz.
De tanto ouvir que o assunto "não
dava filme", Jardim percebeu a
necessidade de ter junto de si outro diretor, "para que pudesse
dialogar". Achou-o no fotógrafo
Walter Carvalho, míope também.
Apesar de seu declarado objetivo de ilustrar a relação com a imagem, "Janela da Alma" é também
um filme verbal. Jardim diz que
não poderia ser diferente. "Conceitualmente, ele está baseado em
depoimentos sobre ver ou não."
São 17 entrevistados e muitas
gradações de visão entre o modo
de ver do cineasta alemão Wim
Wenders, que abandonou as lentes de contato por sentir falta de
ver menos -ou com mais enquadramento, efeito que os óculos
proporcionam-, e o não-ver do
fotógrafo esloveno Eugen Bavcar,
um "ferido de guerra depois da
guerra", que segue fotografando
no escuro.
Há também a possibilidade de
rever como o escritor José Saramago, que relata para as lentes de
Jardim e Carvalho o momento
preciso em que se deu conta de
que é necessário "dar a volta" nas
coisas para vê-las melhor.
Ou ainda uma descrição da
"vista rica" do músico brasileiro
Hermeto Pascoal, que encontra
no estrabismo uma vantagem.
Todos os demais "personagens"
de "Janela da Alma" são também
artistas, à exceção do vereador de
Belo Horizonte Arnaldo Godoy
(PT), que é cego, e de sua filha
Madalena Godoy, que não tem
deficiência visual, e do professor
de literatura Paulo Cezar Lopes.
A atriz Marieta Severo fala do
desassossego de perder a lente em
cena. A artista plástica Carmella
Gross pondera que nunca se
"pensa fora de foco". O cineasta
Walter Lima Jr. diz que aprendeu
a ver no cinema. E o poeta Antonio Cícero reflete sobre a metáfora da "janela da alma" e seu jogo
de espelhos intrínseco, já que não
é a janela que olha, mas alguém
que olha pela janela.
Há também depoimentos da cineasta Agnès Varda, da atriz Hanna Shygulla, dos escritores João
Ubaldo Ribeiro e Oliver Sacks, do
poeta Manoel de Barros e da cineasta de animação Marjut Rimminen.
Ao alinhavar as entrevistas, Jardim diz ter percebido que "menos
é mais". "Toda vez que eu colocava mais de uma pessoa dizendo a
mesma coisa, aquilo ficava redundante de uma maneira grosseira."
Deserto
O critério para selecionar as
imagens que entrecortam os depoimentos é mistério que não se
explica. "Eu tinha vontade de ter
uma imagem que representasse o
vazio, a ausência de informação,
em contraposição ao acúmulo
que a gente vive hoje em dia. Filmamos o deserto. Mas com que
monta isso? Até hoje não sei explicar como cada imagem entrou em
seu lugar."
Até aqui, a intuição dos diretores convenceu público e crítica.
Com participações em festivais
no Ceará, em São Paulo, em Paris
e na Rússia, o filme soma sete prêmios, atribuídos por júris oficiais
e populares. (SILVANA ARANTES)
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