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"A VINGANÇA DA HISTÓRIA"
Novo livro do sociólogo analisa a singularidade da esquerda e do momento atual no Brasil
Emir Sader mostra "privilégio" do "atraso"
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora não seja exatamente
um proletário, o sociólogo Emir
Sader realiza a sua luta de classes
particular em seu novo livro, "A
Vingança da História" (Boitempo
Editorial).
Contra a angústia fundamental
da burguesia brasileira, diagnosticada recentemente pelo filósofo
da USP Paulo Arantes (o temor de
que o país esteja sempre "perdendo o bonde" do desenvolvimento
econômico), o sociólogo defende
a tese -emprestada do líder revolucionário russo Leon Trótski- de que há um "privilégio do
atraso"; no caso, o nosso.
O argumento de Sader concentra-se menos numa suposta queima de etapas para o crescimento
econômico do que na criação, a
partir do "atraso" no desenvolvimento da esquerda brasileira, de
possibilidades inesperadas para a
mudança política no país.
Pois não é disso que se trata,
nesses dias em que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva anda
fundindo a cuca de velhos aliados
na intelectualidade paulistana,
uspiana, petista? O autor, professor da USP e da Uerj, é pertinente,
se mais não fosse pelo protagonismo que vem exercendo no debate
crítico, militante, jornalístico do
novo governo.
Aos argumentos, cidadãos: a
temporalidade brasileira, "atrasada" mesmo em relação a seus vizinhos latino-americanos, teria
permitido ao país alcançar ao final do século 20 a formação de
uma das esquerdas mais fortes do
mundo (leia-se PT-MST-CUT).
"O atraso relativo da esquerda",
pode-se ler à pág. 148, "construída
num país agrário até entrada a segunda metade do século 20, permitiu que o golpe militar de 1964
atingisse um inimigo relativamente débil -em comparação
com a força que já dispunham os
vizinhos".
Tivemos o golpe antes, ele diz.
Isso permitiu, defende o sociólogo, que, terminado o regime militar, não ingressássemos imediatamente "numa fase de hegemonia
neoliberal" e gastássemos os 80 a
fortalecer movimentos sociais e
forças democráticas.
Mais uma vez tardiamente, afirma, chegamos ao neoliberalismo
sob FHC. Entre outros fatores a
frear a gana de um desmonte
maior do Estado, a própria força
que, construída nas lutas do ABC
dos 70 e no país todo nos 80, a esquerda brasileira passou a ter, enquanto as resistências nos vizinhos eram enfraquecidas.
Outro "privilégio do atraso" seria o MST: sua força viria da
"questão agrária" não resolvida.
Resta alguma dificuldade de
conciliar essa idéia de atraso com
a crítica que o próprio sociólogo
faz de sentidos unívocos atribuídos à história, inclusive pelo próprio marxismo.
O livro atravessa o mundo e o
século 20, mas sua inserção no debate imediato sobre a novidade
do governo Lula é explícita. Como
no caso de Trótski para a Revolução Russa, trata-se, no caso de Sader, de tentar explicar que vitória
foi essa e que papel ela pode representar.
Na encruzilhada de um mundo
novo (apresentado nas duas primeiras partes do livro), ele afirma
que a combinação da singular desigualdade nacional com nossa
"temporalidade" própria, "dependendo de sua articulação, pode levar o país a uma formidável
estagnação e regressão de dimensões civilizatórias [...] ou a encarar
a possibilidade histórica de uma
ruptura e um salto de qualidade
no seu processo de construção como nação e como sociedade".
É o problema do novo governo.
Sader rejeita o vaticínio de que
Lula beijou definitivamente a cruz
do continuísmo. O suspense, no
livro ao menos, permanece. Não
sem que antes o autor faça as suas
apostas sobre as condições necessárias para uma "ruptura" democrática com o modelo de "financeirização do Estado".
Para mudar o país, dada a força
de resistência dos capitais financeiros, ele defende, o governo necessitará "de um forte apoio popular". Hugo Chávez, Venezuela?
Não exatamente, ressalva Sader.
Justamente por causa dessa maior
organização dos movimentos sociais no Brasil, da força que essa
esquerda brasileira teria passado
a ter. Para além das decisões de
gabinete, é uma escolha de classe
que o presidente necessitaria fazer. Resta saber se alguém combinou com os russos, quer dizer,
com os ex-trotskistas do governo.
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