São Paulo, sexta, 28 de agosto de 1998

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RACISMO
Antropóloga Solange Martins de Lima diz que esse tratamento reflete a forma com que a sociedade os trata
Novelas reforçam preconceito à brasileira

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local

O modo como as novelas brasileiras tratam os personagens negros reflete a forma com que a sociedade os trata, com um "preconceito à brasileira".
É um preconceito sutil, disfarçado, com vergonha de ser preconceito. E que se traduz, por exemplo, no desaparecimento de personagens negros no decorrer de uma novela ou na criação de papéis interpretados por atores negros soltos na trama, sem base familiar, sem uma história.
Ao expressarem conceitos preconceituosos de modo tortuoso, as novelas acabam reforçando o preconceito da sociedade.
Nos últimos 20 anos, houve muitas mudanças na forma como são tratados os personagens negros. Agora, existem famílias negras de classe média nas novelas, mas a maioria dos avanços foram seguidos de um passo para trás.
Essas são as principais conclusões de uma pesquisa sobre os negros nas novelas que está sendo finalizada pela antropóloga Solange Martins Couceiro de Lima, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Universidade de São Paulo).
Ela e uma equipe de pesquisadores analisaram cerca de 25 novelas da Rede Globo, que foram ao ar às 19h e às 20h, de 1975 até hoje.
Como o número de novelas transmitidas por todos os canais de TV nesse período foi muito grande, acabou se escolhendo apenas as da Globo, que foram habitualmente líderes de audiência.
Também foram excluídas as novelas que tratavam de temas ligados à escravatura, que obviamente dão um tratamento muito específico aos personagens negros. Além disso, Solange fez entrevistas com alguns autores e atores de novelas.
Solange não acha que é papel da novela mudar a sociedade -o máximo que consegue é mudar e criar modas. Mas, em sua opinião, as telenovelas reforçam a imagem desfavorável dos negros inclusive entre os próprios negros.
Não seria de exclusiva responsabilidade dos autores essa situação, segundo Solange -exatamente por ser sutil, o preconceito às vezes se manifesta mesmo quando a intenção é tentar mostrar que não existe preconceito.
Autor de novelas como "Fera Ferida" e de seriados como "Tenda dos Milagres", com grande participação dos negros e ele mesmo mulato -ou negro, como prefere se classificar-, Aguinaldo Silva diz que o preconceito revelado nas novelas reproduz o preconceito dos brasileiros.
"Acho que o problema é mais amplo do que colocar a culpa do preconceito na TV ou nas novelas. Quantos negros ocupam cargos de direção nos jornais ou nas universidades, por exemplo? As novelas, a literatura reflete o preconceito que existe na sociedade", afirma.
Ele acha que muitas vezes o autor das novelas acaba criando um personagem negro ocupando um cargo importante na comunidade retratada, mas se torna artificial porque na realidade são poucos os profissionais liberais negros.
O público, de qualquer forma, reverencia esses personagens por reconhecer o "código" das novelas: o autor quer mostrar que não se deve ter preconceito.
Outra razão para a dificuldade em se criar papéis importantes para negros seria a escassez de bons atores negros, "realmente preparados", afirma Silva. Quando ele encontra um ator que o encanta, procura valorizá-lo.
Escrevendo a próxima novela das oito, ainda sem título, ele criou um papel de destaque, "eixo da história", para a atriz Isabel Fillardis, cuja personagem na novela "A Indomada" acabou desaparecendo rapidamente da trama.



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