São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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"FALANDO COM O ANJO"

Organizada por Hornby, coletânea é irregular

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nick Hornby tem sido nitidamente superestimado. Apesar de toda sua parafernália de referências pop, no fundo ele escreve sobre londrinos que circulam pelo mundo definido pelos limites dos cadernos culturais e das revistas pop da mesma forma que outro escritor qualquer escreveria sobre ingleses de meia-idade que vivem no campo, ou seja, de forma acadêmica, careta.
Sua falta de personalidade literária fica particularmente visível nesta coletânea de contos de britânicos contemporâneos, "Falando com o Anjo". A razão de ser da empreitada é beneficente: angariar fundos para uma escola para autistas em Londres, escreve ele num prefácio carregado de sentimentalismo (explica-se: o filho do escritor é autista). Todos os contos da coletânea são narrados em primeira pessoa.
O conto de Hornby, "Jesus Mamilo", só não é o mais desinteressante da seleção porque há alguns piores, como o de Helen Fielding (um delírio histérico da autora do execrável "Bridget Jones") e o de Giles Smith ("Últimos Pedidos", um amontoado de clichês sobre prisioneiros aguardando pena de morte).
"Jesus Mamilo" tenta nos fazer crer que Hornby, justo ele, pode, realmente, olhar o mundo cultural contemporâneo com ingenuidade. As reações do narrador, segurança de uma galeria de arte onde está exposta a imagem de Jesus formada a partir de fotos de seios femininos retiradas de revistas pornográficas, pretendem nos ensinar alguma coisa sobre o cinismo da arte pós-moderna, mas só atestam o grau de manipulação tola de que é capaz o escritor.
Em busca da contemporaneidade a qualquer custo, o tom geral dos contos fica entre o mediano e o medíocre. As exceções aparecem quando alguns escritores baixam a guarda e conseguem contar histórias menos pretensiosas e as mais generosas com o leitor. Zadie Smith atinge um clima de simplicidade narrativa tocante ao falar de um irmão mais novo tentando conquistar o afeto da irmã mais velha. Os dois contos com histórias de amor desajeitadas, "Bar Maravilha" e "Peter Shelley", recendem a delicadeza. No primeiro, Melissa Bank reconstrói o momento precioso em que os amantes percebem que estão inapelavelmente apaixonados com rara contenção emotiva, enquanto Patrick Marber narra uma "primeira vez" desromantizada, mas doce, ao som de Buzzcocks. E Colin Firth, ator-celebridade na Inglaterra que contracenou com Renée Zellweger em "Bridget Jones", revela-se um escritor bastante razoável em "O Departamento do Nada".
A grande história, entretanto, é a de Roddy Doyle. Em "O Escravo", um homem transfere seus temores de envelhecimento para a aparição de um rato em sua cozinha. Sutil, Doyle consegue conferir à angústia do homem diante dos terrores da domesticidade alguma dose de grandeza.


Falando com o Anjo   
Organizador: Nick Hornby
Lançamento: editora Rocco
Quanto: R$ 33 (272 págs.)




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