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"FALANDO COM O ANJO"
Organizada por Hornby, coletânea é irregular
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Nick Hornby tem sido nitidamente superestimado.
Apesar de toda sua parafernália
de referências pop, no fundo ele
escreve sobre londrinos que circulam pelo mundo definido pelos
limites dos cadernos culturais e
das revistas pop da mesma forma
que outro escritor qualquer escreveria sobre ingleses de meia-idade
que vivem no campo, ou seja, de
forma acadêmica, careta.
Sua falta de personalidade literária fica particularmente visível
nesta coletânea de contos de britânicos contemporâneos, "Falando com o Anjo". A razão de ser da
empreitada é beneficente: angariar fundos para uma escola para
autistas em Londres, escreve ele
num prefácio carregado de sentimentalismo (explica-se: o filho do
escritor é autista). Todos os contos da coletânea são narrados em
primeira pessoa.
O conto de Hornby, "Jesus Mamilo", só não é o mais desinteressante da seleção porque há alguns
piores, como o de Helen Fielding
(um delírio histérico da autora do
execrável "Bridget Jones") e o de
Giles Smith ("Últimos Pedidos",
um amontoado de clichês sobre
prisioneiros aguardando pena de
morte).
"Jesus Mamilo" tenta nos fazer
crer que Hornby, justo ele, pode,
realmente, olhar o mundo cultural contemporâneo com ingenuidade. As reações do narrador, segurança de uma galeria de arte
onde está exposta a imagem de Jesus formada a partir de fotos de
seios femininos retiradas de revistas pornográficas, pretendem nos
ensinar alguma coisa sobre o cinismo da arte pós-moderna, mas
só atestam o grau de manipulação
tola de que é capaz o escritor.
Em busca da contemporaneidade a qualquer custo, o tom geral
dos contos fica entre o mediano e
o medíocre. As exceções aparecem quando alguns escritores
baixam a guarda e conseguem
contar histórias menos pretensiosas e as mais generosas com o leitor. Zadie Smith atinge um clima
de simplicidade narrativa tocante
ao falar de um irmão mais novo
tentando conquistar o afeto da irmã mais velha. Os dois contos
com histórias de amor desajeitadas, "Bar Maravilha" e "Peter Shelley", recendem a delicadeza. No
primeiro, Melissa Bank reconstrói o momento precioso em que
os amantes percebem que estão
inapelavelmente apaixonados
com rara contenção emotiva, enquanto Patrick Marber narra uma
"primeira vez" desromantizada,
mas doce, ao som de Buzzcocks. E
Colin Firth, ator-celebridade na
Inglaterra que contracenou com
Renée Zellweger em "Bridget Jones", revela-se um escritor bastante razoável em "O Departamento do Nada".
A grande história, entretanto, é
a de Roddy Doyle. Em "O Escravo", um homem transfere seus temores de envelhecimento para a
aparição de um rato em sua cozinha. Sutil, Doyle consegue conferir à angústia do homem diante
dos terrores da domesticidade alguma dose de grandeza.
Falando com o Anjo
Organizador: Nick Hornby
Lançamento: editora Rocco
Quanto: R$ 33 (272 págs.)
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