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Fernando Bonassi prepara a nova peça do diretor Antônio Araújo e consolida no palco a presença de uma geração de autores, como José Roberto Torero, Marcelo Rubens Paiva e Patrícia Melo, que já viram seus textos nas telas e que ganham montagens cênicas
Do livro ao cinema ao teatro
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
O escritor Fernando Bonassi está
em Berlim finalizando seu novo livro, "O Livro da Vida", mas fala a
todo momento com o diretor de
teatro Antônio Araújo, em São
Paulo. Os dois descrevem conversas intermináveis, de até quatro
horas, pelo telefone.
Eles preparam uma peça inspirada no "Apocalipse de São João",
em outros textos bíblicos e nos
apocalipses apócrifos.
Com estréia prevista para o início do ano que vem, a peça será escrita por Bonassi num processo de
colaboração com os atores do Teatro da Vertigem, a companhia de
Araújo -o mesmo de "O Livro de
Jó" (95).
Um primeiro "workshop" de
criação e improvisação começa no
próximo dia 13 e será gravado e enviado a Bonassi. Outros dois, em
novembro e janeiro, já terão a presença do autor.
O trabalho sela a aproximação
entre a geração de romancistas e
contistas de Bonassi, 35, e o palco.
Entre outros, preparam estréias
-ou acabaram de estrear- José
Roberto Torero, Patrícia Melo e
Marcelo Rubens Paiva.
Atores
No caso de Bonassi, a aproximação vem se dando aos poucos, nos
últimos anos. Ele escreveu uma
primeira peça, "As Coisas Ruins da
Nossa Cabeça", em 89, que jamais
foi encenada.
Um primeiro contato com o palco aconteceu na adaptação de seu
romance "Um Céu de Estrelas", dirigida por Lígia Cortez em 96. "Boteco", espetáculo de esquetes dirigido por Renata Melo no ano passado, trazia também um quadro
escrito por Bonassi.
E ele co-escreveu um texto comemorativo sobre o físico Mário
Schenberg, apresentado em 96 na
Casa das Rosas, em São Paulo.
Chamado "Fragmentos Teatrais
de Mário Schenberg", era dirigido
por Renato Figueiredo.
Mas só agora o escritor considera
estar participando integralmente
do processo teatral, com os
"workshops" e o "retorno" dos
atores. "É uma novidade para
mim", diz. "No cinema ou na televisão, quando acabo meu trabalho,
os atores começam."
Com a "rápida" experiência sobre Schenberg, de todo modo, já tirou algumas conclusões.
"Quando os atores botavam as
palavras na boca e atuavam e se
moviam, vinham idéias", diz. "Eu
espero que o encontro com o grupo do Antônio seja isso, que eu entenda o tempo do ator. Mas é incrível. Eu pareço uma criança num
ensaio de teatro."
"Crueza"
Como os colegas de geração, o
escritor, antes do teatro, passou
pelo cinema. Adaptou o romance
"Sonhos Tropicais", de Moacyr
Scliar, o conto "Os Matadores", de
Marçal Aquino, e o seu próprio
"Um Céu de Estrelas", entre outros
roteiros. Também dirigiu.
Ele não vê diferença entre a prosa
e a dramaturgia, para o cinema ou
para o teatro. "Para mim, comigo
mesmo, é tudo a mesma coisa. É a
mesma coisa."
Antônio Araújo convidou Bonassi depois de ler e assistir a "Um
Céu de Estrelas", a peça. Segundo o
diretor, o escritor "tem uma qualidade de crueza, um texto forte,
violento, que tem tudo a ver com o
nosso projeto".
A palavra que Araújo mais usa,
para descrever o texto de Bonassi,
é "hardcore". Como o "Apocalipse" original é muito alegórico, o diretor buscou na crueza de Bonassi
"um contraponto".
O próprio autor vê um contraponto, não apenas com os textos
bíblicos, mas com o próprio Teatro
da Vertigem.
"Um espetáculo do Antônio é
um ritual", diz. "Eu não sou um escritor de rituais e solenidades. O
que vai sair, com um cara que chuta o balde e outro que acende a vela? Qual é a colaboração possível?
A gente quer fazer, dentro das diferenças, a coisa mais forte."
Sobre o "Apocalipse de São
João", propriamente, Fernando
Bonassi se diz estimulado por ser
"um texto aberto, que não apresenta uma saída só".
Por outro lado: "É o texto mais
cruel que eu posso imaginar. A
idéia de um Deus que exija amor
daquela maneira é tão aterradora,
para mim, que eu não consigo imaginar nada pior. "Amem-me como
eu sou, se não vocês estão perdidos" é o que Ele está me dizendo.
Isso é de uma violência que eu, por
mais que goste de sangue, nunca
imaginei."
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