São Paulo, segunda, 28 de setembro de 1998

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Fernando Bonassi prepara a nova peça do diretor Antônio Araújo e consolida no palco a presença de uma geração de autores, como José Roberto Torero, Marcelo Rubens Paiva e Patrícia Melo, que já viram seus textos nas telas e que ganham montagens cênicas
Do livro ao cinema ao teatro

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

O escritor Fernando Bonassi está em Berlim finalizando seu novo livro, "O Livro da Vida", mas fala a todo momento com o diretor de teatro Antônio Araújo, em São Paulo. Os dois descrevem conversas intermináveis, de até quatro horas, pelo telefone.
Eles preparam uma peça inspirada no "Apocalipse de São João", em outros textos bíblicos e nos apocalipses apócrifos.
Com estréia prevista para o início do ano que vem, a peça será escrita por Bonassi num processo de colaboração com os atores do Teatro da Vertigem, a companhia de Araújo -o mesmo de "O Livro de Jó" (95).
Um primeiro "workshop" de criação e improvisação começa no próximo dia 13 e será gravado e enviado a Bonassi. Outros dois, em novembro e janeiro, já terão a presença do autor.
O trabalho sela a aproximação entre a geração de romancistas e contistas de Bonassi, 35, e o palco. Entre outros, preparam estréias -ou acabaram de estrear- José Roberto Torero, Patrícia Melo e Marcelo Rubens Paiva.

Atores
No caso de Bonassi, a aproximação vem se dando aos poucos, nos últimos anos. Ele escreveu uma primeira peça, "As Coisas Ruins da Nossa Cabeça", em 89, que jamais foi encenada.
Um primeiro contato com o palco aconteceu na adaptação de seu romance "Um Céu de Estrelas", dirigida por Lígia Cortez em 96. "Boteco", espetáculo de esquetes dirigido por Renata Melo no ano passado, trazia também um quadro escrito por Bonassi.
E ele co-escreveu um texto comemorativo sobre o físico Mário Schenberg, apresentado em 96 na Casa das Rosas, em São Paulo. Chamado "Fragmentos Teatrais de Mário Schenberg", era dirigido por Renato Figueiredo.
Mas só agora o escritor considera estar participando integralmente do processo teatral, com os "workshops" e o "retorno" dos atores. "É uma novidade para mim", diz. "No cinema ou na televisão, quando acabo meu trabalho, os atores começam."
Com a "rápida" experiência sobre Schenberg, de todo modo, já tirou algumas conclusões.
"Quando os atores botavam as palavras na boca e atuavam e se moviam, vinham idéias", diz. "Eu espero que o encontro com o grupo do Antônio seja isso, que eu entenda o tempo do ator. Mas é incrível. Eu pareço uma criança num ensaio de teatro."

"Crueza"
Como os colegas de geração, o escritor, antes do teatro, passou pelo cinema. Adaptou o romance "Sonhos Tropicais", de Moacyr Scliar, o conto "Os Matadores", de Marçal Aquino, e o seu próprio "Um Céu de Estrelas", entre outros roteiros. Também dirigiu.
Ele não vê diferença entre a prosa e a dramaturgia, para o cinema ou para o teatro. "Para mim, comigo mesmo, é tudo a mesma coisa. É a mesma coisa."
Antônio Araújo convidou Bonassi depois de ler e assistir a "Um Céu de Estrelas", a peça. Segundo o diretor, o escritor "tem uma qualidade de crueza, um texto forte, violento, que tem tudo a ver com o nosso projeto".
A palavra que Araújo mais usa, para descrever o texto de Bonassi, é "hardcore". Como o "Apocalipse" original é muito alegórico, o diretor buscou na crueza de Bonassi "um contraponto".
O próprio autor vê um contraponto, não apenas com os textos bíblicos, mas com o próprio Teatro da Vertigem.
"Um espetáculo do Antônio é um ritual", diz. "Eu não sou um escritor de rituais e solenidades. O que vai sair, com um cara que chuta o balde e outro que acende a vela? Qual é a colaboração possível? A gente quer fazer, dentro das diferenças, a coisa mais forte."
Sobre o "Apocalipse de São João", propriamente, Fernando Bonassi se diz estimulado por ser "um texto aberto, que não apresenta uma saída só".
Por outro lado: "É o texto mais cruel que eu posso imaginar. A idéia de um Deus que exija amor daquela maneira é tão aterradora, para mim, que eu não consigo imaginar nada pior. "Amem-me como eu sou, se não vocês estão perdidos" é o que Ele está me dizendo. Isso é de uma violência que eu, por mais que goste de sangue, nunca imaginei."



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