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CONTARDO CALLIGARIS
Virilidade em crise
Susan Faludi (jornalista feminista) ficou conhecida há sete
anos quando publicou "Backlash". O livro criticava o refluxo
("backlash") antifeminista na sociedade norte-americana dos
anos 80/90. Agora, ela publica
com muita fanfarra: "Stiffed: The
Betrayal of the American Male".
"Stiffed" significa enganado, privado do que seria devido, mas
também evoca vários endurecimentos: do cadáver, da ereção e
do bíceps. Em português, poderia
ser: "Duros: A Traição do Macho
Americano", onde -além das várias turgescências - "duros" significa também "sem um tostão no
bolso".
Os machos estão duros como
nunca. Sobretudo estão duros de
virilidade. Por isso mesmo se fazem de duros, mas é uma palhaçada. Durante sete anos, Faludi
saiu à caça de machos em crise.
Encontrou operários desempregados, veteranos do Vietnã, adolescentes que contam suas conquistas como os pistoleiros contavam
os cadáveres de seus inimigos,
Sylvester Stallone, cadetes do
Exército que se transformam em
drag queens à noite etc.
Como a imprensa (não só norte-americana) repete há uma boa
década, os homens estão de mal
com sua virilidade. É frequente
que a culpa seja atribuída às mulheres rebeldes. Nisso, Faludi inova. A excursão pelas dores dos
machos contemporâneos não se
resolve por mais um capítulo da
guerra dos sexos. Os homens estão
em crise e a culpa não é das mulheres. Provavelmente, aliás, a
opressão das mulheres também
não devia ser culpa dos homens.
Faludi considera, em suma, que
homens e mulheres são ambos vítimas de um sistema alienante e
que estaria na hora de juntos lutarem para sair dessa.
Engraçado, é mais ou menos o
que os marxistas diziam nos anos
60, quando as mulheres, assim como as minorias raciais e sexuais,
cansaram de esperar pela revolução global e foram arrancar alguma liberação diretamente dos
grupos que as oprimiam. Faludi
volta inesperadamente a esta ótica de liberação para todos porque
descobre (e mostra de maneira
convincente) que os homens de
hoje sofrem de uma alienação
igual à alienação das mulheres
dos anos 50-60.
No que consiste esta alienação?
Os homens são hoje chamados a
manifestar sua virilidade como
pura aparência, assim como as
mulheres dos anos 60 viviam uma
feminilidade feita de ornamentos.
Faludi constata (sem originalidade, mas com pertinência) que vivemos em uma "sociedade ornamental". Ou seja, num mundo onde o que nos define não são nossos
atos e produtos, mas nossa aparência. A universalização desta
organização social -onde importa aparecer e não ser ou fazer-
torna a virilidade tão incerta
quanto a feminilidade mais retrógrada. O homem moderno se feminiza segundo a caricatura de
uma feminilidade que talvez na
mulher já não exista mais. Difícil
contestar o diagnóstico de Faludi:
a virilidade de hoje é um enfeite,
como são enfeites a riqueza e a
classe social.
Portanto, ela conclui, homens e
mulheres, mesma alienação e
mesma luta. Mas alienação em
relação a quê? Atrás dos ornamentos, o que deveríamos reencontrar? Faludi, apesar de propor
uma crítica social global, não é
nem um pouco marxista. Com isso, ela acaba sendo ingenuamente
nostálgica. Ou seja, o homem da
sociedade industrial (até a Segunda Guerra) se torna uma espécie
de saudoso ideal. Definido por sua
função produtiva e não por seus
ornamentos, ele é o verdadeiro
macho.
A virilidade do papai trabalhador vem zombar dos filhos bonitaços e consumistas de hoje. É de
questionar por que a exploração
brutal do trabalho industrial seria
menos alienante (e mais viril) do
que a sociedade ornamental.
Parece funcionar aqui, em filigrana, um estereótipo machista
que opõe o homem de macacão,
veterano, fortão e saudável à virilidade (considerada falsa) do macho malhado, exibido e catalogado gay por querer ser desejado
(infausta tradição feminina).
Em suma, as reportagens são
cativantes e o livro, brilhante. Mas
a crítica social se torna um pouco
perigosa quando se compraz no
saudosismo.
Na semana passada, nos EUA,
estreou "Clube da Luta", filme dirigido por David Fincher, com
Brad Pitt e Edward Norton no
elenco. Sem entrar em detalhes, o
que ficará desse filme nos sonhos
dos espectadores eventualmente
seduzidos será a seguinte mensagem: para não se perder no consumismo ornamental que nos aliena, os homens devem se reunir entre eles, encher a cara reciprocamente de porradas e, enfim, salpicar a cidade de bombas.
Se há um filme que merece ser
classificado pornográfico é esse.
Ora, Susan Faludi gostou e até escreveu na "Newsweek" que "Clube da Luta" seria o equivalente
masculino hodierno de "Thelma e
Louise".
Infelizmente, Norton e Pitt não
se jogam em nenhum abismo. Ao
contrário, eles fundam um grupinho que tem toda a cara de um
partido fascista. Querendo libertar o homem da virilidade ornamental, Faludi lhe propõe uma virilidade ainda mais duvidosa.
Para criticar o equivocado ideal
masculino da propaganda Calvin
Klein, Faludi aprova uma boa homossexualidade reprimida de
grupo. Ora, eu prefiro (de longe e
de perto) a Gay Parade ou qualquer desfile de moda-homem à
marcha alinhada de enrustidos
da SS.
E-mail: ccalligari@uol.com.br
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