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FESTIVAL DE CINEMA DE TÓQUIO
Competição reúne 15 longas de faceta popular, que buscam reconciliação com países vizinhos
Sem grandes nomes, evento aposta no Sudeste Asiático
LÚCIA NAGIB
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE TÓQUIO
Oficialmente aberto no dia 22, o
17º Festival Internacional de Cinema de Tóquio mostra logo a
que veio. Embora traga "internacional" no título, sua atenção está
voltada a uma fatia particular do
mundo: o Sudeste Asiático.
A ausência mais notória no programa é o cinema americano,
com apenas alguns representantes nas sessões especiais e o já conhecido "Terminal", de Steven
Spielberg (em cartaz no Brasil),
no encerramento.
O novo cinema latino-americano também não despertou o interesse dos organizadores e está fora tanto da competição quanto
das mostras paralelas.
Já a produção asiática domina a
seleção competitiva, merecendo
ainda uma mostra de filmes recentes ("Winds of Asia"; Ventos
da Ásia) e uma outra do novo cinema filipino, além de mini-retrospectivas dos diretores Pang
Ho Cheung e Chang Cheh, de
Hong Kong, e de Yash Johar, produtor indiano.
No geral, o festival parece servir
ao propósito duplo de contribuir
para a política de boa vizinhança
do Japão (que tem contas a acertar desde a Segunda Guerra) e
ampliar o mercado japonês de cinema nos países à sua volta.
Os filmes em competição ilustram essa estratégia. Dos 15 selecionados, oito são asiáticos e,
dentre estes, três japoneses e duas
co-produções com o Japão, trazendo atores japoneses e enredos
relacionados ao país. Esse conjunto homogêneo, longe de representar uma reação ao mainstream, tem o intuito claro de conquistar o gosto popular.
Como afirma Kayo Yoshida, diretora de programação dos longas-metragens em competição, o
principal critério de seleção foi "o
potencial do filme de atrair um
público amplo".
O resultado é um panorama
conservador, que exclui a experimentação e consagra os gêneros e
a estética da TV. Um forte candidato a prêmios, por exemplo, é o
coreano "Fighter in the Wind"
(Lutador ao Vento), de Yang Yunho, baseado na história real do
lutador de caratê Choi Bae-dal,
que viveu no Japão.
Dotado de extraordinária força,
Bae-dal tornou-se legendário por
vencer o preconceito japonês durante e após a Segunda Guerra
Mundial e derrotar os melhores
lutadores do país com sua força
sobre-humana.
Tendo como trunfo o impressionante ator Yang Dong-geun, o
filme é um show de patriotismo
viril, que de quebra faz as pazes
com o opressor através da namoradinha japonesa do herói, uma
gueixa lacrimosa e assexuada.
Mais interessante como proposta estética é o filme de Taiwan
"The Passage" (A Passagem), dirigido por Cheng Wen-tang. Na
linha de seus talentosos compatriotas Hou Hsiao Hsien e Edward
Yang, o diretor explora noções de
tempo e transitoriedade filmando
imagens em espelhos, vitrines, telas de pinturas, computadores e
celulares.
Também aqui a protagonista
taiwanesa, uma estudante de arte,
encontra um japonês à procura
de uma obra rara de caligrafia,
mas a relação entre ambos descamba para o kitsch sentimental,
que novamente inclui a lembrança da guerra e a reconciliação pelo
amor.
Reconciliação
Mesmo nos eventos paralelos o
desejo de reconciliação do Japão
com seus vizinhos marca presença. A mostra "Japanese Eyes"
(Olhos Japoneses) apresentou o
épico "Thway - The Bonds of
Blood" (Thway - Os Laços de Sangue), cujo diretor, Koji Chino, levou 14 anos para completar. Obra
monumental, de 201 minutos, rodada em Mianmar, o filme narra a
história da japonesa que procura
seu meio-irmão, fruto da relação
de seu pai, soldado na Segunda
Guerra, com uma nativa do antigo Burma.
Exibindo paisagens espetaculares e revelando interessantes costumes locais, o filme, no entanto,
falseia a história ao apresentar os
soldados japoneses como as únicas vítimas de uma guerra cuja razão eles próprios desconhecem.
O melhor filme japonês apresentado até agora talvez seja "Riyuu - The Motive" (Riyuu - O Motivo), dirigido pelo veterano Nobuhiko Obayashi, também na
mostra "Japanese Eyes".
Eis um filme adulto, que ousa a
autocrítica sem sentimentalismo
ou vitimização. Baseado no romance premiado de Miyuki Miyabe, o filme investiga um múltiplo assassinato ocorrido num dos
arranha-céus de Tóquio construídos na época da bolha econômica.
São dezenas de atores que conversam diretamente com a câmera, multiplicando as versões do
crime, enquanto desvendam a
corrupção por trás da superfície
metálica e cintilante dos arranha-céus da cidade.
Estrelas ausentes
Esse menu inofensivo afinal deixou de lado alguns grandes nomes do cinema japonês. Yoichi
Sai acaba de lançar um filme estrelado por Takeshi Kitano,
"Blood and Bones" (Sangue e Ossos), passando ao largo do festival. Diretores originais, como Hirokazu Kore-eda e Shinji Aoyama, também ficaram de fora, embora tenham filmes novos.
Kazuo Hara, o grande documentarista que ousou atacar o
imperador, finalmente terminou
seu primeiro filme de ficção,
"Another Day, Chika" (Outro
Dia, Chika), obra experimental
que tampouco teve espaço no festival de Tóquio.
Dentre os consagrados, o grande destaque por enquanto foi Hayao Miyazaki ("A Viagem de Chihiro"), que apresentou seu último
anime, "Howl's Moving Castle"
(O Castelo Andante de Howl), em
sessão especial.
Baseado em romance da britânica Diana Wynne Jones, o filme é
uma seqüência de paisagens européias idealizadas e fisionomias
que só lembram o Japão pelos
olhos excessivamente redondos,
típicos dos desenhos japoneses.
Uma jovem chapeleira, transformada em velha senhora por
uma feiticeira, é conduzida pelo
herói trapalhão Howl em seu castelo voador, onde luta para se livrar do encantamento.
Desprezando a história, que
pretende "desconstruir o conto
de fadas", o filme quase não tem
aventura, girando em falso sobre
uma sucessão de belas composições pictóricas.
Resta, portanto, conferir a contribuição dos jovens diretores,
que conquistaram espaço valioso
nesta vitrine asiática.
Lúcia Nagib é professora de cinema na
Universidade Estadual de Campinas e
autora de "O Cinema da Retomada" (ed.
34) e "Nascido das Cinzas" (Edusp)
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