São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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FESTIVAL DE CINEMA DE TÓQUIO

Competição reúne 15 longas de faceta popular, que buscam reconciliação com países vizinhos

Sem grandes nomes, evento aposta no Sudeste Asiático

LÚCIA NAGIB
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE TÓQUIO

Oficialmente aberto no dia 22, o 17º Festival Internacional de Cinema de Tóquio mostra logo a que veio. Embora traga "internacional" no título, sua atenção está voltada a uma fatia particular do mundo: o Sudeste Asiático.
A ausência mais notória no programa é o cinema americano, com apenas alguns representantes nas sessões especiais e o já conhecido "Terminal", de Steven Spielberg (em cartaz no Brasil), no encerramento.
O novo cinema latino-americano também não despertou o interesse dos organizadores e está fora tanto da competição quanto das mostras paralelas.
Já a produção asiática domina a seleção competitiva, merecendo ainda uma mostra de filmes recentes ("Winds of Asia"; Ventos da Ásia) e uma outra do novo cinema filipino, além de mini-retrospectivas dos diretores Pang Ho Cheung e Chang Cheh, de Hong Kong, e de Yash Johar, produtor indiano.
No geral, o festival parece servir ao propósito duplo de contribuir para a política de boa vizinhança do Japão (que tem contas a acertar desde a Segunda Guerra) e ampliar o mercado japonês de cinema nos países à sua volta.
Os filmes em competição ilustram essa estratégia. Dos 15 selecionados, oito são asiáticos e, dentre estes, três japoneses e duas co-produções com o Japão, trazendo atores japoneses e enredos relacionados ao país. Esse conjunto homogêneo, longe de representar uma reação ao mainstream, tem o intuito claro de conquistar o gosto popular.
Como afirma Kayo Yoshida, diretora de programação dos longas-metragens em competição, o principal critério de seleção foi "o potencial do filme de atrair um público amplo".
O resultado é um panorama conservador, que exclui a experimentação e consagra os gêneros e a estética da TV. Um forte candidato a prêmios, por exemplo, é o coreano "Fighter in the Wind" (Lutador ao Vento), de Yang Yunho, baseado na história real do lutador de caratê Choi Bae-dal, que viveu no Japão.
Dotado de extraordinária força, Bae-dal tornou-se legendário por vencer o preconceito japonês durante e após a Segunda Guerra Mundial e derrotar os melhores lutadores do país com sua força sobre-humana.
Tendo como trunfo o impressionante ator Yang Dong-geun, o filme é um show de patriotismo viril, que de quebra faz as pazes com o opressor através da namoradinha japonesa do herói, uma gueixa lacrimosa e assexuada.
Mais interessante como proposta estética é o filme de Taiwan "The Passage" (A Passagem), dirigido por Cheng Wen-tang. Na linha de seus talentosos compatriotas Hou Hsiao Hsien e Edward Yang, o diretor explora noções de tempo e transitoriedade filmando imagens em espelhos, vitrines, telas de pinturas, computadores e celulares.
Também aqui a protagonista taiwanesa, uma estudante de arte, encontra um japonês à procura de uma obra rara de caligrafia, mas a relação entre ambos descamba para o kitsch sentimental, que novamente inclui a lembrança da guerra e a reconciliação pelo amor.

Reconciliação
Mesmo nos eventos paralelos o desejo de reconciliação do Japão com seus vizinhos marca presença. A mostra "Japanese Eyes" (Olhos Japoneses) apresentou o épico "Thway - The Bonds of Blood" (Thway - Os Laços de Sangue), cujo diretor, Koji Chino, levou 14 anos para completar. Obra monumental, de 201 minutos, rodada em Mianmar, o filme narra a história da japonesa que procura seu meio-irmão, fruto da relação de seu pai, soldado na Segunda Guerra, com uma nativa do antigo Burma.
Exibindo paisagens espetaculares e revelando interessantes costumes locais, o filme, no entanto, falseia a história ao apresentar os soldados japoneses como as únicas vítimas de uma guerra cuja razão eles próprios desconhecem.
O melhor filme japonês apresentado até agora talvez seja "Riyuu - The Motive" (Riyuu - O Motivo), dirigido pelo veterano Nobuhiko Obayashi, também na mostra "Japanese Eyes".
Eis um filme adulto, que ousa a autocrítica sem sentimentalismo ou vitimização. Baseado no romance premiado de Miyuki Miyabe, o filme investiga um múltiplo assassinato ocorrido num dos arranha-céus de Tóquio construídos na época da bolha econômica.
São dezenas de atores que conversam diretamente com a câmera, multiplicando as versões do crime, enquanto desvendam a corrupção por trás da superfície metálica e cintilante dos arranha-céus da cidade.

Estrelas ausentes
Esse menu inofensivo afinal deixou de lado alguns grandes nomes do cinema japonês. Yoichi Sai acaba de lançar um filme estrelado por Takeshi Kitano, "Blood and Bones" (Sangue e Ossos), passando ao largo do festival. Diretores originais, como Hirokazu Kore-eda e Shinji Aoyama, também ficaram de fora, embora tenham filmes novos.
Kazuo Hara, o grande documentarista que ousou atacar o imperador, finalmente terminou seu primeiro filme de ficção, "Another Day, Chika" (Outro Dia, Chika), obra experimental que tampouco teve espaço no festival de Tóquio.
Dentre os consagrados, o grande destaque por enquanto foi Hayao Miyazaki ("A Viagem de Chihiro"), que apresentou seu último anime, "Howl's Moving Castle" (O Castelo Andante de Howl), em sessão especial.
Baseado em romance da britânica Diana Wynne Jones, o filme é uma seqüência de paisagens européias idealizadas e fisionomias que só lembram o Japão pelos olhos excessivamente redondos, típicos dos desenhos japoneses.
Uma jovem chapeleira, transformada em velha senhora por uma feiticeira, é conduzida pelo herói trapalhão Howl em seu castelo voador, onde luta para se livrar do encantamento.
Desprezando a história, que pretende "desconstruir o conto de fadas", o filme quase não tem aventura, girando em falso sobre uma sucessão de belas composições pictóricas.
Resta, portanto, conferir a contribuição dos jovens diretores, que conquistaram espaço valioso nesta vitrine asiática.


Lúcia Nagib é professora de cinema na Universidade Estadual de Campinas e autora de "O Cinema da Retomada" (ed. 34) e "Nascido das Cinzas" (Edusp)


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