São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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28ª MOSTRA DE CINEMA

Cineasta iraniano tem retrospectiva, exposição de fotos e lançamento de livro

São Paulo vira vitrine de Kiarostami

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

São Paulo, por alguns dias, será a principal vitrine da arte de Abbas Kiarostami. Haverá exposição de fotos, workshop -ministrado pelo cineasta, que irá orientar a confecção de um trabalho filmado-, exibição de filmes raros na Mostra (entre eles "O Passageiro", "O Relatório", "First Graders" e "Lição de Casa") e lançamento de livro com sessão de autógrafos a ser realizada na noite do dia 29, no Conjunto Nacional.
Em entrevista coletiva ontem, o grande tema foi a metodologia de Kiarostami diante da imagem e dos dispositivos.
"Ninguém pode dizer qual método será utilizado antes de começar a fazer o filme. O importante é a experiência e a originalidade de cada método", ressaltou Kiarostami, após ser perguntado sobre a essência de sua postura como "provocador de imprevistos e improvisos" nos filmes.
"Quando descobri a câmera digital, isto foi algo muito grande, era um novo caminho para a criação. Fiquei tão excitado, recomendei tanto a câmera digital da Sony quando conheci o sistema, que muitas pessoas achavam que eu estava sendo pago para fazer propaganda do produto", relatou o diretor, antes de admitir: "Depois de oito anos, no entanto, cheguei à conclusão de que a câmera digital não funciona nas mãos de quem não tem um compromisso limpo, uma consciência exata de como usá-la".
Para ilustrar essa idéia, o iraniano contou uma história. "No ano passado, eu e um amigo saímos para fotografar a natureza. Eu, com uma câmera normal, ele, com uma digital. Eu cliquei nove fotos, das quais duas prestavam. Já o meu amigo tirou 190, das quais nenhuma prestava, porque ele apertava o botão sem olhar. E isso se aplica ao conceito de câmera digital no cinema. Antes de pensar o quadro, o sujeito já começa a filmá-lo, pela facilidade do dispositivo. O cinema digital é como uma faca, na mão de um cirurgião ou de um assassino. O importante é quem pega a câmera."
A obra do iraniano também foi abordada. "Em "Close Up", Ali Hossein Sabdzian sabia que havia a câmera, sabia que estava sendo filmado, pois havia um contrato. Era para não saber, entretanto. Mas na cena final, com ele e o cineasta Moshen Makhmalbaf, o encontro que ocorreu entre os dois foi algo tão real que Sabdzian esqueceu câmera, diretor e todos os que lá estavam perto. Ficou, no filme, a impressão de que ele não sabia que havia um aparato de filmagem", contou o diretor, ao ser questionado sobre a questão de verdade e encenação em "Close Up", um de seus grandes filmes.
Sobre o cinema norte-americano, Kiarostami disparou: "O cinema digital é mal distribuído e esta é uma arma para o cinema industrial americano, que quer que o digital não seja considerado "cinema autêntico". Atrás disso, estão grandes capitais americanos e a crença de que este cinema autêntico seria um cinema de vultuosidade e luxo".


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