São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Para diretor iraniano, cinema é pintura

NAIEF HADDAD
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Às vésperas do início da Mostra, José Simão soltou: "Você passa duas horas em pé esperando o filme começar e duas horas sentado esperando o filme terminar. E não termina nunca, porque filme iraniano é mais lento que o Eduardo Suplicy!".
Não perca a piada, mas também não perca o filme -um conjunto, na verdade. O festival apresenta uma retrospectiva com 14 filmes do maior cineasta iraniano, Abbas Kiarostami. Há mais de uma década, seus filmes são exibidos com freqüência por aqui e constituíram espécie de abre-alas para outros diretores significativos daquele país, como Mohsen Makhmalbaf e Jafar Panahi.
Entre os filmes do pacote, dois são inéditos em SP: "10 sobre Dez" (2003) e "Cinco" (2004). No primeiro, Kiarostami se debruça sobre seu modo de fazer cinema em dez capítulos, como "o ator", "a locação", "a câmera", "a música". A aula se dá com o diretor ao volante em estradas nas montanhas próximas a Teerã, observado por uma câmera digital -assim como em "Dez" (2002) e "Gosto de Cereja" (1996).
Não é uma discussão fechada na técnica, mas a forma como todos esses recursos colaboram para que ele se expresse de modo eficaz. Grosso modo, a espontaneidade dos seus filmes não existiria sem o uso constante de não-atores e câmeras pequenas, pouco invasivas. A escassez da música é um modo de evitar que a emoção do público seja manipulada.
Em livro que leva o nome do diretor, lançado por conta da Mostra, há um texto escrito por Kiarostami, intitulado "Duas ou Três Coisas que Sei sobre Mim". A certa altura, diz: "É preciso antecipar um cinema "in-finito" e incompleto, de modo que o espectador possa preencher os vazios...".
Essa construção da incompletude -com o perdão do paradoxo- conduz "10 sobre Dez", mas pode ser notado com radicalidade em "Cinco". Estamos diante de um candidato sério a igualar a surpresa provocada por "Através das Oliveiras", vencedor do prêmio da crítica na Mostra de 1994.
São cinco seqüências de câmera fixa diante do mar Cáspio -cada uma com pouco mais de dez minutos. Um galho é submetido ao vaivém das ondas até se partir; o reflexo da lua nas águas é acompanhado pelo som dos sapos, e daí por diante.
Descrições são insuficientes, inúteis provavelmente. Explica-se: o iraniano devolve ao cinema o estatuto de arte em diálogo com as demais, daí a necessidade de abolir a narrativa tradicional. Em "Cinco", cinema é pintura, ali vemos Turner, Monet, Pollock (Kiarostami fez faculdade de belas-artes). "Cinco" ainda é poesia, é música/ruído.
Por fim, os movimentos mínimos não impedem a existência da tensão, assim como havia na câmera estática mais famosa da história do cinema, de "A Chegada do Trem à Estação", dos irmãos Lumière.


Cinco
Five
    
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: Irã/França, 2004
Quando: hoje, às 21h40, no Cinearte 1 (outras sessões dias 29 e 4/11)

10 sobre Dez
10 on Ten
   
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: Irã/França, 2003
Quando: hoje, às 19h30, na Faap (outras sessões dias 29 e 4/11)



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