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CRÍTICA
Para diretor iraniano, cinema é pintura
NAIEF HADDAD
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Às vésperas do início da Mostra, José Simão soltou: "Você
passa duas horas em pé esperando o filme começar e duas horas
sentado esperando o filme terminar. E não termina nunca, porque
filme iraniano é mais lento que o
Eduardo Suplicy!".
Não perca a piada, mas também
não perca o filme -um conjunto,
na verdade. O festival apresenta
uma retrospectiva com 14 filmes
do maior cineasta iraniano, Abbas Kiarostami. Há mais de uma
década, seus filmes são exibidos
com freqüência por aqui e constituíram espécie de abre-alas para
outros diretores significativos daquele país, como Mohsen Makhmalbaf e Jafar Panahi.
Entre os filmes do pacote, dois
são inéditos em SP: "10 sobre
Dez" (2003) e "Cinco" (2004). No
primeiro, Kiarostami se debruça
sobre seu modo de fazer cinema
em dez capítulos, como "o ator",
"a locação", "a câmera", "a música". A aula se dá com o diretor ao
volante em estradas nas montanhas próximas a Teerã, observado por uma câmera digital -assim como em "Dez" (2002) e
"Gosto de Cereja" (1996).
Não é uma discussão fechada na
técnica, mas a forma como todos
esses recursos colaboram para
que ele se expresse de modo eficaz. Grosso modo, a espontaneidade dos seus filmes não existiria
sem o uso constante de não-atores e câmeras pequenas, pouco invasivas. A escassez da música é
um modo de evitar que a emoção
do público seja manipulada.
Em livro que leva o nome do diretor, lançado por conta da Mostra, há um texto escrito por Kiarostami, intitulado "Duas ou Três
Coisas que Sei sobre Mim". A certa altura, diz: "É preciso antecipar
um cinema "in-finito" e incompleto, de modo que o espectador
possa preencher os vazios...".
Essa construção da incompletude -com o perdão do paradoxo- conduz "10 sobre Dez", mas
pode ser notado com radicalidade
em "Cinco". Estamos diante de
um candidato sério a igualar a
surpresa provocada por "Através
das Oliveiras", vencedor do prêmio da crítica na Mostra de 1994.
São cinco seqüências de câmera
fixa diante do mar Cáspio -cada
uma com pouco mais de dez minutos. Um galho é submetido ao
vaivém das ondas até se partir; o
reflexo da lua nas águas é acompanhado pelo som dos sapos, e
daí por diante.
Descrições são insuficientes,
inúteis provavelmente. Explica-se: o iraniano devolve ao cinema o
estatuto de arte em diálogo com
as demais, daí a necessidade de
abolir a narrativa tradicional. Em
"Cinco", cinema é pintura, ali vemos Turner, Monet, Pollock (Kiarostami fez faculdade de belas-artes). "Cinco" ainda é poesia, é música/ruído.
Por fim, os movimentos mínimos não impedem a existência da
tensão, assim como havia na câmera estática mais famosa da história do cinema, de "A Chegada
do Trem à Estação", dos irmãos
Lumière.
Cinco
Five
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: Irã/França, 2004
Quando: hoje, às 21h40, no Cinearte 1
(outras sessões dias 29 e 4/11)
10 sobre Dez
10 on Ten
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: Irã/França, 2003
Quando: hoje, às 19h30, na Faap (outras
sessões dias 29 e 4/11)
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