São Paulo, quarta, 28 de outubro de 1998

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"FESTA DE FAMÍLIA" CRÍTICA
Filme de Vinterberg valoriza desconforto

AMIR LABAKI
de Nova York

Esqueça os manifestos de ocasião. "Festa de Família" é muito mais importante por revelar o jovem dinamarquês Thomas Vinterberg do que por representar um filme girado sob a inspiração do Dogma 95, a carta de princípios lançada simultaneamente ao filme no último Festival de Cannes.
Vinterberg assina o manifesto ao lado de Lars von Trier ("Ondas do Destino"). O Dogma 95 é um brado anti-hollywoodiano. Combate o cinema de efeitos e de estrelas. Advoga a improvisação e a espontaneidade. Quer produções baratas, filmagens ligeiras, em locações naturais, longe dos artifícios de luz e sonorização.
É uma volta aos princípios da "nouvelle vague" francesa (Godard, Rohmer, Truffaut), com o recurso ao manifesto dos jovens que lançaram na Oberhausen dos anos 60 o "novo cinema alemão" (Fassbinder, Herzog, Kluge).
A discussão não poderia ser mais pertinente, mas a estratégia pareceu excessivamente mercadológica. Mais que palavras, era importante deixar as imagens falarem.
Deu empate. "Os Idiotas" revelou-se o menos inspirado dos filmes de Trier, que logo anunciou uma nova produção anti-Dogma: um musical. Mas "Festa de Família" não decepcionou.
Uma típica família da alta burguesia nórdica, os Klingenfedt, reúne os amigos para celebrar os 60 anos do patriarca. Inicialmente apenas a tensa relação dos filhos, dois homens e uma mulher, parece quebrar a monotonia.
Ledo engano. Um dos rapazes transforma a celebração num ajuste de contas. Denuncia o pai por tê-lo molestado sexualmente na infância. Ressentimentos afloram. A festa vira um encontro buñuelesco com toques de Nelson Rodrigues.
Vinterberg agudiza o desconforto ao abrir mão da tradicional elegância televisiva do cinemão nórdico. Filma com a câmera na mão, granulando a imagem como num "home movie". Escorado num elenco de primeira, faz um drama de rara intensidade. Manifesto nenhum era necessário para justificar momentos de grande cinema.



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