São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

A maior parte das obras de arte confiscadas durante a Segunda Guerra ainda não foi repatriada

Rússia mantém "tesouros de guerra"

Reprodução de catálogo do museu Hermitage
A tela "A Casa Branca à Noite" (1890), de Van Gogh


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Segunda Guerra Mundial acabou há 57 anos. Apesar desse tempão, 2002 trouxe novidades na devolução de obras de arte confiscadas de ex-inimigos. O ministro alemão da Cultura se deslocou em julho à cidade russa de São Petersburgo para a devolução de 111 vitrais do século 14, surrupiados em 1945 pelo Exército Vermelho da então União Soviética.
Não foi a primeira vez que um país devolveu objetos artísticos mantidos em seus museus como "troféu de guerra". Mas no caso da Rússia, temem os alemães, pode ter sido uma das últimas.
Isso porque a Duma (Parlamento) votou em 1997 um projeto pelo qual obras de arte de nações "agressoras", um eufemismo para a Alemanha, estariam incorporadas ao patrimônio russo.
O Tribunal Constitucional da Federação Russa decidiu em 1999 que o projeto de eternização do confisco não era ilegal.
Um dos adeptos do confisco é Mikhail Piotrovski, diretor do Museu Hermitage, de São Petersburgo. Procurado pela Folha, ele não quis dar entrevista.
Oficialmente, o governo alemão nada fala. Apenas afirma que continuam válidos os comunicados em que exprimiu sua apreensão.
O fato é que o diálogo não foi rompido entre alemães e russos. Tanto que os vitrais da Marienkirche, aqueles do século 14, deixaram a Rússia, e esta aceitou o mecenato alemão para a restauração de afrescos de uma igreja, danificados durante a guerra.
Os russos já haviam devolvido nos anos 50 uma preciosidade arqueológica bastante conhecida, o altar do templo de Pergamon, do século 2 a.C. Mas a devolução foi para a antiga Alemanha Oriental. Ou seja, um mero gesto amistoso no hoje extinto bloco socialista.
O mesmo vale para o quadro "A Madonna Sistina", de Rafael, devolvido a uma coleção pública da cidade de Dresden.
A estimativa alemã é que 100 mil de suas peças de primeira grandeza histórica e artística ainda se encontrem na Rússia. Entre elas, as 364 aquarelas da Coleção Baldin-Sammlung e, no setor de raridades bibliográficas, 270 mil dos 400 mil volumes que compunham o acervo da Biblioteca Gotha.
Muito já se escreveu sobre algumas dessas histórias. Só o site alemão Lost Art Internet Database cita uma bibliografia de 53 obras que tratam do problema.

Questões diplomáticas
Apenas para lembrar: a Alemanha invadiu a Rússia em 1941. São Petersburgo permaneceu sitiada por mais de três anos. A Rússia deu o troco. Com o nazismo nos estertores, invadiu a Alemanha e tomou Berlim em 1945.
Do lado russo, o governo contabiliza 700 mil peças que ainda estariam em mão de ex-inimigos. Entre elas, uma das raridades arquitetônicas do século 18: o salão de âmbar do palácio de Catarina 1ª, nas imediações de São Petersburgo, com 22 painéis e 100 mil peças de material semiprecioso do revestimento das paredes.
Outros países também mantêm inventários de acervos que procuram localizar desde 1945. A Holanda está à procura de 6 mil quadros. Da Bélgica, há 3.300 telas e esculturas. Há 700 caixas com documentos históricos que os alemães confiscaram na França e os russos, numa operação triangular de pirataria, confiscaram em seguida. Há ainda as 11 mil perdas da Belarus e 40 mil da Hungria.
É difícil imaginar, realisticamente, que esses tesouros sejam um dia integralmente repatriados. De qualquer modo, tentar recuperar o que está em poder do ex-inimigo está no direito internacional. Convenção assinada em Haia, em 1907, proíbe o confisco de obras de arte em guerras terrestres. Foi em nome desse documento, por exemplo, que Estados Unidos e Reino Unido não saquearam os museus alemães em 1945 para se auto-indenizarem das perdas que sofreram com a guerra provocada por Hitler.
A grande surpresa da década passada ocorreu em 1995. O Hermitage, em São Petersburgo, expôs pela primeira vez uma coleção de 76 telas produzidas na França entre 1827 e 1927. Foram todas, com uma única exceção, confiscadas em 1945 de colecionadores privados alemães.
É algo absolutamente precioso, com 15 Renoir, quatro Gauguin e igual número de Van Gogh, sete Cézanne, cinco Pissarro, um Delacroix, dois Corot e por aí vai.
A mostra, que ainda hoje ocupa algumas salas do primeiro andar do museu, intitula-se eufemicamente "Tesouros Escondidos, Agora Revelados".


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