São Paulo, quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

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MÚSICA

Paulistana radicada nos EUA foi eleita cantora do ano pela crítica especializada; novo CD traz duos com violonistas

Luciana Souza atrai Grammy com jazz em português

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em junho último, ela foi eleita cantora de jazz do ano pela Associação dos Jornalistas de Jazz, em Nova York. Três semanas atrás, obteve sua terceira indicação ao Grammy com "Duos II", seu sexto álbum, cuja edição brasileira vai chegar às lojas em janeiro pela Universal.
Radicada há duas décadas nos EUA, a cantora paulistana Luciana Souza, 39, reafirma com esse trabalho a proeza que alcançou em 2002 com o CD "Brazilian Duos": volta a figurar entre as principais intérpretes do jazz no país, cantando música brasileira, em português. No ano passado, lançou o CD "Neruda", com poemas musicados do autor chileno vertidos para o inglês.
Luciana retoma em "Duos II" o formato voz e violão, em parcerias com quatro violonistas brasileiros: Romero Lubambo, Marco Pereira, Swami Jr. e Guilherme Monteiro. No repertório, destacam-se clássicos da música brasileira assinados por Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, Francis Hime e Nathan Marques, entre outros. Leia a seguir entrevista com a cantora, que comenta a indicação ao Grammy e sua ascensão no cenário do jazz.

Folha - Por que você voltou aos duos?
Luciana Souza -
Quando gravei "Brazilian Duos", já tinha claro que esse projeto tinha muitas possibilidades. Aqui no Brasil há uma abundância enorme de repertório e violonistas com estilos diferentes. Ontem mesmo, conversando com meu pai [o compositor Walter Santos], pensei em gravar com o Toninho Horta, que toca lindo e é arranjador no violão. Também pensei no Edson Alves, grande violonista e arranjador de São Paulo, assim como Paulo Bellinati. Tenho vontade de cantar Zé Ramalho, Filó, Guinga, Lenine, muita gente.

Folha - O que um duo de voz e violão traz de especial?
Souza -
Em primeiro lugar, a pureza, a possibilidade de fazer música de câmara "ao vivo", sem edição. Depois, o diálogo entre dois instrumentos, que permite trabalhar contraponto, ritmo, harmonia, melodia, percussão com uma pureza que você não encontra em outras formações. O violão é um instrumento que abre caminhos tanto ao jazz como para a música brasileira mais tradicional.

Folha - Os norte-americanos ainda resistem à música em português?
Souza -
Menos, hoje em dia. Nos encartes dos meus discos, tenho o cuidado de explicar as letras das canções, sem fazer uma tradução literal. Não quero ser didática, mas acho importante informar ao ouvinte sobre o que a música fala. Quem vai buscar um disco meu já sabe que não vai ouvir música pop, nem jazz "straight ahead".

Folha - Você se surpreendeu com a terceira indicação ao Grammy?
Souza -
Não tanto como da primeira vez. Não é que eu esteja perdendo o gosto da surpresa, mas entendi que dentro da indústria fonográfica norte-americana existe gente que acha que o meu trabalho é importante por valorizar o som do instrumento da cantora. Num disco de jazz, com aquelas canções já gravadas por todo mundo e arranjos muito rebuscados, você perde o som do instrumento. Sinto que consegui criar um veículo para mostrar a evolução da minha voz, do meu jeito de cantar.

Folha - Uma sul-americana tem chance de levar o Grammy de melhor cantora de jazz?
Souza -
Não sei. Acho que funciona como no Oscar, depende de quem concorre com você. Chance de ganhar até tenho, mas não tanto quanto outras cantoras que concorrem todo ano e, devo dizer, merecem isso. Estando dentro da coisa, é difícil até dizer se mereço a indicação. Fico chateada ao pensar que uma cantora como Kate McGarry, que é maravilhosa, não foi indicada. Talvez por eu também gravar música clássica e fazer trabalhos com outros compositores, meu nome apareça mais para os eleitores da Academia.

Folha - Você diria que já se estabeleceu como cantora de jazz?
Souza -
Quando você não vende 1 milhão de discos, acha que está num vácuo, que você não existe. Faço shows em lugares ótimos, viajo pelos Estados Unidos, canto na Europa, mas não cheguei ao nível de Diana Krall ou Dianne Reeves. Ainda não tenho um DVD nem um disco feito por uma grande gravadora. Ainda estou na fase da batalha.

Folha - Pela primeira vez um CD seu será distribuído fora dos EUA por uma grande gravadora. Isso ajuda?
Souza -
É um grande passo, que me permite ter uma presença internacional. Isso também deve reduzir o preço do meu disco nos outros países. Aliás, já acho caro um disco meu vendido a US$ 12. A gente sabe quanto custa a produção de um disco hoje em dia. Tem gente que gasta meio milhão de dólares para fazer um disco. Os meus são gravados "ao vivo", em um dia. Um disco feito assim não precisa custar mais de US$ 8.

Folha - Quando você sentiu que passou a ser realmente valorizada nos EUA?
Souza -
A entrega do prêmio da Associação dos Jornalistas de Jazz, em junho, significou mais para mim até do que a indicação ao Grammy. Ser reconhecida por uma associação de 450 críticos dos EUA, sem cantar exclusivamente em inglês nem fazer um trabalho centrado em "standards", me leva a acreditar que essas pessoas escutam o que eu faço.

Folha - Já tem planos para um novo disco?
Souza -
Eu queria fazer um disco de jazz com o trio que tem tocado comigo, mas depois pensei que seria melhor esperar pela repercussão da indicação ao Grammy. Meus projetos sempre foram pensados, feitos e tocados. Agora estou pensando em inverter esse processo, até porque minha vida está mudando, vou morar em Los Angeles. Quero que a vida me mostre o que fazer.


Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros livros


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