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CINEMA "A HORA MÁGICA"
Filme brasileiro mostra a fabricação da fantasia
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O comentário mais comum à saída das pré-estréias de "A Hora Mágica", de Guilherme de Almeida
Prado, era o de que "o filme é lindo, mas frio, sem vida".
É difícil contestar esse veredicto,
mas convém matizá-lo. "A emoção
está na emulsão", já dizia Francis
Coppola, referindo-se ao processo
de revelação fotográfica e sugerindo que o prazer do cinema brota
do próprio milagre de produzir
imagens em movimento.
É esse tipo de emoção que se pode encontrar nos filmes de Almeida Prado -não tanto em seu enredo, ou no destino dos personagens, mas na sua tapeçaria visual e
sonora, em seu complexo jogo entre luz e sombra, cor e movimento,
imagem e som.
Nesse sentido, embora inspirado
num conto de Julio Cortázar
("Cambio de Luces"), "A Hora
Mágica" tem mais a ver com a postura estética de outro escritor argentino, Jorge Luis Borges.
Assim como a literatura de Borges -também acusada de "fria",
"sem alma" e "sem vida"- alimentava-se da própria literatura
(ao contrário da de Cortázar, contaminada pela experiência a cada
linha), o cinema de Almeida Prado
alimenta-se do próprio cinema.
O conto de Cortázar narra uma
história simples, a do romance entre o radioator Tito Balcárcel e
uma ouvinte, Lucia, apaixonada
por sua voz. Depois de trocarem
cartas, os dois se conhecem e vão
viver juntos. Em vez de adaptar a
imagem que faziam um do outro à
realidade, eles tentam o oposto.
O filme "A Hora Mágica" -em
que Balcárcel é Raul Gazolla e Lucia é a ótima Julia Lemmertz-
transplanta essa situação básica
para o Brasil de 1950, quando a era
do rádio está prestes a ser substituída pelo império da televisão.
Almeida Prado acrescenta o subtema da dublagem de filmes, entrelaça o enredo das radionovelas a
uma trama policial e espalha homenagens ao cinema mudo (em
especial os clássicos do expressionismo alemão, como "Caligari",
"Mabuse" e "Os Espiões").
Por paradoxal que pareça, essa
proliferação de signos e elementos
aponta para uma concentração de
sentido, revelando mais claramente o tema essencial do filme: a fantasia e seus modos de produção.
A ficção pressupõe sempre um
jogo entre autor e público, chamado a completar com a própria imaginação o que a obra apenas sugere. No rádio, a partir do som o ouvinte inventa a imagem. No cinema mudo e em preto-e-branco, o
espectador imagina o som e a cor.
Não é só "me engana que eu gosto". É "me engana que eu ajudo".
"A Hora Mágica" desvenda esse
mecanismo recorrendo à mais extrema estilização. Seus personagens não são gente de carne e osso,
mas peças de um quebra-cabeças.
(Não por acaso, o porteiro cego,
um dos vários personagens interpretados no filme por José Lewgoy,
monta um quebra-cabeças, servindo-se unicamente do tato.)
Graças a essa opção estética,
mantém-se o espectador a distância, impedindo-o de envolver-se
afetivamente com o que vê na tela.
Daí a frieza apontada por todos.
Mas há momentos belíssimos,
como a cena em que Balcárcel sai
acendendo luzes pelo apartamento para modificar Lucia, ou a corajosa sequência final, em que um
plano é repetido inúmeras vezes na
tela da sala de dublagem, provocando um efeito hipnótico e suscitando as mais diversas relações entre som e imagem.
Em outra cena, um assassinato é
recriado por meio unicamente de
sombras na parede, que acaba entretanto manchada de sangue.
É essa fronteira entre o "real" e a
fantasia que o filme de Almeida
Prado procura captar e mostrar ao
espectador.
É uma fronteira tênue e fugidia,
como a "hora mágica" que separa
o dia da noite e torna mais vivas todas as cores.
²
Filme: A Hora Mágica
Produção: Brasil, 1998
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Com: Julia Lemmertz, Raul Gazolla, José
Lewgoy, John Herbert
Quando: estréia hoje, nos cines Espaço
Unibanco 1, Lumière 1 e SP Market 6
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