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Crítica/"Estamos Bem Mesmo Sem Você"
Drama familiar visto por olhos de menino é um belo primeiro filme
Longa de estréia do italiano Kim Rossi Stuart, que também está no elenco, evita o melodrama e demonstra maturidade
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"Estamos Bem Mesmo Sem Você" é
três vezes surpreendente: como filme de estréia, demonstra rara maturidade; como filme de ator, não
negligencia a mise-en-scène; e
como filme de criança, não cai
no insuportável tatibitati.
Pela primeira vez atrás das
câmeras, o ator italiano Kim
Rossi Stuart (de "Além das Nuvens" e "As Chaves de Casa")
alcança efeitos dramáticos raros de se ver hoje, visivelmente
alinhados à concepção do mestre italiano Roberto Rossellini.
Não se trata, propriamente,
do neo-realismo. Um dos destaques da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes
de 2006, só agora em exibição
em São Paulo, "Estamos Bem
Mesmo Sem Você" descreve
uma realidade muito específica, capturada em toda sua complexidade por uma perspectiva
singular. São os olhos do garoto
Tommaso (Alessandro Morace) que servem de porta para
que se entre na casa dessa família, marcada por um fato pontual: o abandono da mãe.
Ainda mais perturbador que
o abandono, porém, é a possibilidade da repetição dele -um
sentimento que paira no ar de
forma cruel a partir do momento em que ela volta para casa e
pede para ser aceita novamente. A suspeita de que a decisão é
passageira mantém (ou piora) a
instabilidade no seio familiar.
Trazendo o próprio diretor
no elenco como Renato, o pai
da família, "Estamos Bem Mesmo Sem Você" tem na atuação
do garoto Alessandro Morace
seu maior trunfo. Não raro, o
menino resolve cenas-chave do
filme com um simples olhar,
transmitindo uma perturbadora complexidade emocional.
Mas essa atuação não está
dissociada da direção de Stuart,
capaz de criar um ambiente
com a necessária dose de liberdade para que o trabalho dos
atores ganhe veracidade. Ao
mesmo tempo, quase não há
aquela frouxidão que essa liberdade costuma imprimir aos
filmes "de ator".
Stuart não se esquiva dos
problemas que o filme lhe apresenta. Se o tema central de "Estamos Bem Mesmo Sem Você"
é um prato cheio para o melodrama barato, ele consegue caminhar pelas convenções do
gênero com desenvoltura, sem
sucumbir às suas armadilhas.
Constrói personagens ambíguos, mas não os submete a julgamentos de qualquer parte.
Na rica construção da família, todos têm substância. Ainda
que o menino Tommaso acabe
sobressaindo pelas próprias
exigências da história, também
são muito bem desenvolvidos
os personagens da irmã (Marta
Nobili) e da mãe (Barbara Bobulova). Curiosamente, apesar
de o personagem do pai ser bastante consistente, sobrou para
ele a cena menos convincente
do filme: quando Renato leva a
família para vê-lo trabalhar em
um set de filmagem (ele é operador de steady-cam) e desafia,
na frente de todos, a autoridade
do diretor, tudo parece demasiado forçado para demonstrar
uma fraqueza do personagem,
apenas.
De qualquer maneira, o importante é que Stuart não tem
medo de encarar de frente os
momentos de alta dramaticidade do filme. E eles serão vários,
algumas vezes altamente comoventes, sem perder a dureza.
E, para um diretor de primeira
viagem, é preciso reconhecer a
habilidade com que ele recorre
a elipses sutis, difíceis de se encontrar em filmes de estreantes. Enfim, uma estréia mais do
que promissora.
ESTAMOS BEM MESMO SEM VOCÊ
Produção: Itália, 2006
Direção: Kim Rossi Stuart
Com: Alessandro Morace, Kim Rossi Stuart e Marta Nobili
Onde: estréia hoje nos cines Bombril, Cinesesc e HSBC Belas Artes
Avaliação: ótimo
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