|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/ESTRÉIA
"NEM GRAVATA NEM HONRA"
Diretor inclui reações dos entrevistados ao próprio documentário na montagem final
Masagão estréia filme nascido na edição
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
Marcelo Masagão, 43, o diretor
de "Nem Gravata nem Honra", é
um dos seres humanos que mais
assistiu filmes em toda história do
cinema, em todo o planeta. Desde
1991 ele dirige o Festival Mundial
do Minuto. A cada ano, cerca de
mil filmes são inscritos na mostra,
todos com um minuto de duração. Como Masagão viu todos, foram 10 mil filmes nos últimos dez
anos, fora os que ele, cinéfilo aplicado, assiste no circuito comercial, em cinematecas, em vídeo e
na televisão.
Sua cabeça, é de se imaginar, está povoada por um torvelinho de
imagens desconexas, concebidas
por milhares de diretores. Imagens sublimes, de artistas notáveis, convivem com videoclipes
alucinantes, perpetrados por neófitos esforçados, talentosos ou
doidos.
Essa portentosa experiência de
espectador está ligada a suas concepções como cineasta. "Faço filmes de idéias, que não são nem
documentários nem ficção", diz o
paulistano Masagão, que abandonou no meio o curso de psicologia
na PUC. "Procuro nos fragmentos explicações que elucidem o
real".
Se fosse escolher o diretor com
quem tem mais idéias em comum
ele elegeria o russo, nascido na
Polônia, Dziga Vertov (1896-1954), o autor de "Homem com
uma Câmera". Documentarista
inspirado pelo construtivismo,
Vertov se insurgiu contra o que
chamava de "romantização" do
cinema. Seus filmes captaram
com brio a vaga revolucionária
das primeiras décadas do século
passado. Depois, viraram propaganda stalinista.
Há sem dúvida semelhanças entre as idéias de Vertov e "Nós que
Aqui Estamos por Vós Esperamos", o longa-metragem de estréia de Masagão, e "Nem Gravata
nem Honra". Mas, afora as diferenças óbvias de situações históricas que separam os cineastas, a
perspectiva de Masagão se apóia
muito mais no humor que a do
russo. Seus filmes são escancaradamente bem-humorados. Têm
algo de molecagem.
São filmes, também, que nascem na mesa de edição. Em "Nem
Gravata nem Honra" ele gravou
quase 30 horas na cidade de Cunha. "Com o material, dava para
partir para qualquer abordagem",
diz. Ele montou o filme e não se
deu por satisfeito. Voltou a Cunha
para mostrá-lo a alguns dos seus
35 entrevistados e filmou suas
reações, que veio a incorporar na
montagem definitiva.
"Nós que Aqui Estamos por Vós
Esperamos" transformou-se num
pequeno fenômeno entre o público jovem. Ficou seis meses em
cartaz em São Paulo e cinco no
Rio. Foi assistido por quase 60 mil
pessoas no cinema e por 150 mil
estudantes de escolas secundárias
e universidades. Sozinho, em andanças por festivais e debates,
Masagão vendeu 2.000 cópias cassete do filme.
O que não é de estranhar. Os filmes de Masagão têm frescor juvenil. Refletem (ou parodiam) uma
inquietação com as linguagens cinematográficas dominantes que
diretores oriundos do cinema novo, papais-sabe-tudo da estética,
nem sequer sabem que existe. Em
"Nem Gravata nem Honra", a trilha sonora de André Abujamra,
da banda Karnak, e as intervenções pontuais da cineasta Tata
Amaral (que fez algumas das entrevistas) são sinais dessa inquietação.
O inquieto Marcelo Masagão
está fazendo no momento um documentário sobre consumo, ainda sem título, com o escritor Gustavo Steinberg, co-roteirista de
"Cronicamente Inviável", de Sergio Bianchi. Ele não sabe ao certo
o que será. Assim como não sabe
explicar direito o título "Nem
Gravata nem Honra".
"Tirei o título de um artigo de
uma revista de psicanálise, que falava que os homens usam gravatas como uniforme e as mulheres
têm uma honra específica", diz
Quando se reclama que o título é
obscuro, ele tem o chiste na ponta
da língua: "a vida também é obscura".
Texto Anterior: Crítica: Narrador não conduz a lugar nenhum Próximo Texto: Crítica: Neurose é tema verdadeiro Índice
|