São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"NEM GRAVATA NEM HONRA"

Diretor inclui reações dos entrevistados ao próprio documentário na montagem final

Masagão estréia filme nascido na edição

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

Marcelo Masagão, 43, o diretor de "Nem Gravata nem Honra", é um dos seres humanos que mais assistiu filmes em toda história do cinema, em todo o planeta. Desde 1991 ele dirige o Festival Mundial do Minuto. A cada ano, cerca de mil filmes são inscritos na mostra, todos com um minuto de duração. Como Masagão viu todos, foram 10 mil filmes nos últimos dez anos, fora os que ele, cinéfilo aplicado, assiste no circuito comercial, em cinematecas, em vídeo e na televisão.
Sua cabeça, é de se imaginar, está povoada por um torvelinho de imagens desconexas, concebidas por milhares de diretores. Imagens sublimes, de artistas notáveis, convivem com videoclipes alucinantes, perpetrados por neófitos esforçados, talentosos ou doidos.
Essa portentosa experiência de espectador está ligada a suas concepções como cineasta. "Faço filmes de idéias, que não são nem documentários nem ficção", diz o paulistano Masagão, que abandonou no meio o curso de psicologia na PUC. "Procuro nos fragmentos explicações que elucidem o real".
Se fosse escolher o diretor com quem tem mais idéias em comum ele elegeria o russo, nascido na Polônia, Dziga Vertov (1896-1954), o autor de "Homem com uma Câmera". Documentarista inspirado pelo construtivismo, Vertov se insurgiu contra o que chamava de "romantização" do cinema. Seus filmes captaram com brio a vaga revolucionária das primeiras décadas do século passado. Depois, viraram propaganda stalinista.
Há sem dúvida semelhanças entre as idéias de Vertov e "Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos", o longa-metragem de estréia de Masagão, e "Nem Gravata nem Honra". Mas, afora as diferenças óbvias de situações históricas que separam os cineastas, a perspectiva de Masagão se apóia muito mais no humor que a do russo. Seus filmes são escancaradamente bem-humorados. Têm algo de molecagem.
São filmes, também, que nascem na mesa de edição. Em "Nem Gravata nem Honra" ele gravou quase 30 horas na cidade de Cunha. "Com o material, dava para partir para qualquer abordagem", diz. Ele montou o filme e não se deu por satisfeito. Voltou a Cunha para mostrá-lo a alguns dos seus 35 entrevistados e filmou suas reações, que veio a incorporar na montagem definitiva.
"Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos" transformou-se num pequeno fenômeno entre o público jovem. Ficou seis meses em cartaz em São Paulo e cinco no Rio. Foi assistido por quase 60 mil pessoas no cinema e por 150 mil estudantes de escolas secundárias e universidades. Sozinho, em andanças por festivais e debates, Masagão vendeu 2.000 cópias cassete do filme.
O que não é de estranhar. Os filmes de Masagão têm frescor juvenil. Refletem (ou parodiam) uma inquietação com as linguagens cinematográficas dominantes que diretores oriundos do cinema novo, papais-sabe-tudo da estética, nem sequer sabem que existe. Em "Nem Gravata nem Honra", a trilha sonora de André Abujamra, da banda Karnak, e as intervenções pontuais da cineasta Tata Amaral (que fez algumas das entrevistas) são sinais dessa inquietação.
O inquieto Marcelo Masagão está fazendo no momento um documentário sobre consumo, ainda sem título, com o escritor Gustavo Steinberg, co-roteirista de "Cronicamente Inviável", de Sergio Bianchi. Ele não sabe ao certo o que será. Assim como não sabe explicar direito o título "Nem Gravata nem Honra".
"Tirei o título de um artigo de uma revista de psicanálise, que falava que os homens usam gravatas como uniforme e as mulheres têm uma honra específica", diz Quando se reclama que o título é obscuro, ele tem o chiste na ponta da língua: "a vida também é obscura".


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