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CRÍTICA
Neurose é tema verdadeiro
DA SUCURSAL DO RIO
"Nem Gravata nem Honra"" é um documentário
que confronta oposições. Seu tema é genérico e sério, as relações
entre homens e mulheres. Mas
seu universo é diminuto e caricato: a cidade interiorana de Cunha,
na fronteira de São Paulo e Rio.
Embora o filme se apresente como uma exposição objetiva do
que pensam os entrevistados, todo o tempo Masagão e sua equipe
interferem na narrativa.
Seus personagens viram espectadores: depois de darem depoimentos eles são mostrados, em janelas nos cantos da tela, vendo e
comentando suas entrevistas.
O efeito imediato do contraponto de oposições é humorístico. Certas estatísticas, por exemplo, ganham aura de cientificidade. Mas, quando são atribuídas a
um fictício "DataCunha", a veracidade se dissolve em riso.
O efeito duradouro da dialética
de choques entre o genérico e o
específico, entre objetividade e
subjetividade, entre forma e conteúdo aponta para o próprio tema
do filme. As relações entre os sexos não são somente biológicas,
parece sustentar o filme; formam
uma estrutura de diferenças e semelhanças que rege a vida psíquica dos moradores de Cunha numa linguagem, a do inconsciente.
Com isso, pouco do que os entrevistados dizem se sustenta isoladamente. O que eles falam é, no
mais das vezes, clichê: as mulheres são mais fiéis, a libertação feminina ameaça o equilíbrio, o
machismo ainda domina.
De cambulhada, há queixas de
traições e da fofocaiada interiorana que faz com que todos saibam
a intimidade de todos. Cada fala
ou cena só adquire sentido confrontada às outras. O espectador
no cinema, assim como os personagens/espectadores no filme,
participa da comédia dos sexos.
Tomados no conjunto e com os
comentários, os depoimentos
compõem um repertório de frases
feitas e comportamentos típicos,
um magma que não adquire conformidade fixa, pois que feito de
deslocamentos e estranhezas.
Os próprios personagens não se
reconhecem: eles se espantam ao
se contemplarem na tela. Não se
reconhecem porque não se sabem: "Nem Gravata nem Honra"
é sobre neurose. De neuróticos,
com neuróticos, para neuróticos.
Assim sendo, o princípio ordenador (ou desordenador) do filme advém das idéias do charlatão
vienense. Não qualquer Freud,
mas o concebido por Jacques Lacan. Um Lacan específico: o que
elasteceu o conceito freudiano de
"chiste", a tirada bem-humorada.
Trocadilhos, anedotas e oposições agudas de linguagem, assim,
se tornam metáforas, significantes que permitem o rasgo rumo ao
inconsciente. Sob essa concepção,
Lacan nota que a palavra alemã
"freud" significa "alegria".
Lacan não está presente em
"Nem Gravata nem Honra". Ele é
apenas um significante fantasiado
de fantasma, que percorre o filme,
mas nunca grita "buuu!" O documentário pode ser apreciado apenas pela sua agudeza fescenina.
(MARIO SERGIO CONTI)
Nem Gravata nem Honra
Direção: Marcelo Masagão
Produção: Brasil, 2001
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco 3
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