São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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CDS

INSTRUMENTAL

Jam sessions caseiras foram registradas por trompetista radicado no Rio

Gravadora inglesa descobre disco inédito de João Donato

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Parece mentira. Um disco inédito de João Donato de 1973, auge da carreira do pianista que passou revolucionário pela bossa nova, pelo jazz, pelo funk e pelo pop dos anos 70. A valiosa descoberta, chamada de "A Blue Donato", está sendo lançada comercialmente pela primeira vez pelo selo inglês Whatmusic, que já se especializou em resgatar maravilhas obscuras da música brasileira e ultimamente tem se esmerado também em descobrir preciosidades inéditas, esquecidas em estantes e ignoradas por produtores tupiniquins.
Através dessa aula de orgulho brasileiro dada pelos ingleses já surgiram dois outros discos: "Valley Samba", do trio de samba-jazz Rio 3, formado por Osmar Milito (piano), Ronie Mesquita (bateria) e Otávio Bailly Jr (baixo), e "Mailbag Blues", espécie de trilha sonora da vida do famoso ladrão de trem Ronald Biggs, feita por virtuosos músicos brasileiros de jazz-rock, com elementos de funk e bossa. Ambos os discos foram gravados no Brasil em meados dos anos 60 e 70, mas nunca haviam sido lançados -até os pesquisadores da Whatmusic os descobrirem. O selo inglês não tem distribuição no Brasil, mas seus lançamentos podem ser adquiridos em lojas de importados ou pelo site da gravadora (www.whatmusic.com).

Jam sessions
No novo-velho lançamento de João Donato, a produção não foi propriamente a de um disco, mas simples (ou nem tão simples) gravações caseiras de jam sessions feitas pelo pianista e amigos, felizmente registradas à época em um gravador de quatro canais por Bill Horne, trompetista americano radicado no Rio. Participavam ainda das improvisações coletivas (e aparecem no disco) músicos como o baterista Edison Machado, o trombonista Edson Maciel e o flautista Ion Muniz.
Donato relembra: "O Bill Horne tinha um estúdio na casa dele. Uma salinha, ali, do lado da sala, da cozinha, do banheiro. A gente ia lá visitar, conversar, até que nós olhávamos e dizíamos: "Vamos lá pra dentro?". Aí, quando fechava a porta, o couro comia. Ele apertava o "rec" e saía correndo pra tocar. A gente não tinha arranjo, cada um ia criando na hora. Nunca era igual. Nós não ensaiávamos repertório, algumas coisas tocávamos sempre, outras, apenas uma vez. No final, ele ficou com centenas de horas de gravação. A qualidade é caseira e duvidosa, mas o conteúdo é ótimo [risos]".
Um dos grandes momentos do álbum é a singela versão bossificada de "Mimosa", do jazzista Herbie Hancock. A composição de 1963 é completamente reinventada, com piano acústico delicado, violão com batida de bossa, bateria suave e harmonias vocais em "scat singing" de Donato e da cantora/violonista Tita. Outro ponto alto é a estimulante versão improvisada, intimista e jazzística de "Message from the Nile", música de 1970 do pianista McCoy Tyner.

História
Músico fundamental da bossa nova, João Donato lançou importantes discos instrumentais nos anos 60. Pouco depois, foi morar nos EUA e tocou por longas temporadas com músicos de jazz como Chet Baker. Nos anos 70, depois de breve fase jazz-funk, voltou ao Brasil e passou a produzir gravações de cantores como Gal Costa, além de lançar alguns de seus melhores álbuns, estreando como cantor. Foi por essa época, também, que composições suas como "A Paz" e "Bananeira" passaram a ganhar letra de parceiros como Gilberto Gil.
Mais recentemente, em junho de 2004, gravou novo disco com o saxofonista norte-americano Bud Shank, reprisando parceria criada nos anos 60, em um clássico disco que contava também com Rosinha de Valença. O novo álbum da parceria piano/sax será lançado no segundo semestre pelo selo Barravento Music.


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