São Paulo, terça-feira, 29 de maio de 2001

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Música cubana tradicional encontra hip hop, funk e universo dos DJs em "Cachaíto"

Cuba sem fronteira

Baixista cubano, que participou de todos os CDs do projeto Buena Vista Social Club, lança primeiro disco solo aos 68 anos

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando criança, o cubano Orlando López não gostava de carregar peso. Nascido em uma família de músicos, sua tarefa era levar a pesada pasta de partituras do pai quando este ia tocar em clubes ou na rádio, em Havana.
Apesar de haver uma tradição de tocadores de baixo na família, o pequeno Orlando decidiu aprender a tocar violino. "Era menor e mais leve", disse, em entrevista à Folha. "Mas, quando meu avô descobriu, deu-me uma bronca. Dizia que eu tinha de largar o violino e aprender baixo, pois éramos um clã de baixistas." Como o garoto reclamara do tamanho e do peso do instrumento, o avô providenciou um baixo adaptado, menor. Resultado: Orlando López tomou gosto pela coisa e se transformou no mais importante baixista da música cubana de hoje.
"Cachaíto", o primeiro álbum solo de Orlando "Cachaíto" López, hoje com 68 anos, é lançado depois de o artista ter sido consagrado por tocar, por mais de meio século, ao lado dos mais importantes músicos de Cuba. É o único artista que participou de todos os álbuns do projeto Buena Vista Social Club, tendo tocado também na Sinfônica Nacional de Cuba, na Riverside Orchestra, no grupo Irakerê, entre outros.
"Mas o meu disco solo é uma coisa totalmente diferente do que fiz até hoje", diz um lacônico Cachaíto ao telefone, em uma entrevista em que precisou ser ajudado pelo tocador de conga e parceiro no disco, Miguél "Angá" Díaz. "Cachaíto é tímido", diz a gravadora, "com Angá ao lado ele fica mais à vontade para falar".
Apesar das poucas palavras, o que Cachaíto diz se confirma logo na primeira audição do CD. Seu trabalho solo não tem nada a ver com os dos artistas do Buena Vista Social Club. O baixista funde a música tradicional cubana com funk, hip hop, soul, jazz e pop. "O único caminho possível para nossa cultura musical é a fusão, pois logo as pessoas vão começar a se cansar da repetição do formato tradicional", diz Angá.
Cachaíto, que já tocou com formações bastante distintas -orquestras de cabaré, sinfônica, big bands-, completa: "Estou sempre aberto a ouvir coisas novas que estão sendo feitas na música internacional, por isso quis trazer DJs para tocar no disco, admiro o que os DJs fazem, pois eles misturam, improvisam".
O gosto pela espontaneidade Cachaíto diz que desenvolveu nos anos 50, quando passou a participar das "descargas", espécie de jam da qual seu tio, Israel Cachao, foi um dos precursores. E foi dele que Cachaíto herdou o apelido.
"Nas descargas, era possível errar, improvisar, criar e misturar, tudo junto, aprendi muito com essa experiência. O que estou fazendo hoje com meu disco é trazer o espírito daquelas descargas dos anos 50 para a atualidade, com sonoridades dos nossos dias", explica Cachaíto.
Angá acrescenta: "Na descarga, o artista continua sendo um ser humano, não há "tecnificação" do som, nenhum aparelho vai melhorar os seus erros. É uma música mais sincera, é a essência. Foi assim que gravamos".
Quando compõe, Cachaíto trabalha com pedaços de músicas, muito pequenos. "Levo-os para os músicos e criamos em cima daquilo, geralmente mudamos muito a minha idéia inicial quando estamos dentro do estúdio."
Participam do CD mais de 50 músicos. Entre os destaques estão o DJ francês Dee Nasty, colaborando com as inserções de hip hop, o saxofonista de funk Pee Wee Ellis, que tocou com James Brown, e um time de percussionistas cubanos, entre outros.
Além da idéia de espontaneidade das descargas, o disco mostra uma inversão na "hierarquia" da música tradicional da ilha caribenha. Angá explica: "Na música cubana, o piano é o instrumento principal, e o baixo o acompanha. Na música que fazemos, o baixo torna-se o mais importante, entra a guitarra elétrica, e a percussão passa a dialogar diretamente com o baixo".
Angá e Cachaíto são parceiros de longa data, juntos eles também acabaram de gravar uma versão de "Round Midnight", de Thelonious Monk, com congas, cello e baixo.
No material de publicidade do álbum de Cachaíto consta com destaque a informação de que o músico é peça importante no projeto Buena Vista Social Club -nascido em 97 com o disco organizado por Ry Cooder e o filme, dirigido por Wim Wenders.
Entretanto, Cachaíto é firme: "estou no Buena Vista, mas esse não é o meu mundo".
"O disco, o filme e tudo o que veio depois com o Buena Vista foi muito bom para a música cubana, mas há muita gente que ficou de fora. Quem gostou do que ouviu tem de ir ver o que se faz em Santiago, em outras cidades."
Além de excursionar com o disco em turnê, Cachaíto ajuda a lançar o CD solo do amigo Angá, do qual também participa. O trabalho do tocador de conga deve sair no início do ano que vem. "Também quero fazer algo com Carlinhos Brown, a música baiana que ele faz tem muito a ver com o que temos em Cuba."


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