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Música cubana tradicional encontra hip hop, funk e universo dos DJs em "Cachaíto"
Cuba sem fronteira
Baixista cubano, que participou de todos os CDs do projeto Buena Vista Social Club, lança primeiro disco solo aos 68 anos
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando criança, o cubano Orlando López não gostava de carregar peso. Nascido em uma família
de músicos, sua tarefa era levar a
pesada pasta de partituras do pai
quando este ia tocar em clubes ou
na rádio, em Havana.
Apesar de haver uma tradição
de tocadores de baixo na família,
o pequeno Orlando decidiu
aprender a tocar violino. "Era menor e mais leve", disse, em entrevista à Folha. "Mas, quando meu
avô descobriu, deu-me uma
bronca. Dizia que eu tinha de largar o violino e aprender baixo,
pois éramos um clã de baixistas."
Como o garoto reclamara do tamanho e do peso do instrumento,
o avô providenciou um baixo
adaptado, menor. Resultado: Orlando López tomou gosto pela
coisa e se transformou no mais
importante baixista da música cubana de hoje.
"Cachaíto", o primeiro álbum
solo de Orlando "Cachaíto" López, hoje com 68 anos, é lançado
depois de o artista ter sido consagrado por tocar, por mais de meio
século, ao lado dos mais importantes músicos de Cuba. É o único
artista que participou de todos os
álbuns do projeto Buena Vista Social Club, tendo tocado também
na Sinfônica Nacional de Cuba,
na Riverside Orchestra, no grupo
Irakerê, entre outros.
"Mas o meu disco solo é uma
coisa totalmente diferente do que
fiz até hoje", diz um lacônico Cachaíto ao telefone, em uma entrevista em que precisou ser ajudado
pelo tocador de conga e parceiro
no disco, Miguél "Angá" Díaz.
"Cachaíto é tímido", diz a gravadora, "com Angá ao lado ele fica
mais à vontade para falar".
Apesar das poucas palavras, o
que Cachaíto diz se confirma logo
na primeira audição do CD. Seu
trabalho solo não tem nada a ver
com os dos artistas do Buena Vista Social Club. O baixista funde a
música tradicional cubana com
funk, hip hop, soul, jazz e pop. "O
único caminho possível para nossa cultura musical é a fusão, pois
logo as pessoas vão começar a se
cansar da repetição do formato
tradicional", diz Angá.
Cachaíto, que já tocou com formações bastante distintas -orquestras de cabaré, sinfônica, big
bands-, completa: "Estou sempre aberto a ouvir coisas novas
que estão sendo feitas na música
internacional, por isso quis trazer
DJs para tocar no disco, admiro o
que os DJs fazem, pois eles misturam, improvisam".
O gosto pela espontaneidade
Cachaíto diz que desenvolveu nos
anos 50, quando passou a participar das "descargas", espécie de
jam da qual seu tio, Israel Cachao,
foi um dos precursores. E foi dele
que Cachaíto herdou o apelido.
"Nas descargas, era possível errar, improvisar, criar e misturar,
tudo junto, aprendi muito com
essa experiência. O que estou fazendo hoje com meu disco é trazer o espírito daquelas descargas
dos anos 50 para a atualidade,
com sonoridades dos nossos
dias", explica Cachaíto.
Angá acrescenta: "Na descarga,
o artista continua sendo um ser
humano, não há "tecnificação" do
som, nenhum aparelho vai melhorar os seus erros. É uma música mais sincera, é a essência. Foi
assim que gravamos".
Quando compõe, Cachaíto trabalha com pedaços de músicas,
muito pequenos. "Levo-os para
os músicos e criamos em cima daquilo, geralmente mudamos muito a minha idéia inicial quando estamos dentro do estúdio."
Participam do CD mais de 50
músicos. Entre os destaques estão
o DJ francês Dee Nasty, colaborando com as inserções de hip
hop, o saxofonista de funk Pee
Wee Ellis, que tocou com James
Brown, e um time de percussionistas cubanos, entre outros.
Além da idéia de espontaneidade das descargas, o disco mostra
uma inversão na "hierarquia" da
música tradicional da ilha caribenha. Angá explica: "Na música
cubana, o piano é o instrumento
principal, e o baixo o acompanha.
Na música que fazemos, o baixo
torna-se o mais importante, entra
a guitarra elétrica, e a percussão
passa a dialogar diretamente com
o baixo".
Angá e Cachaíto são parceiros
de longa data, juntos eles também
acabaram de gravar uma versão
de "Round Midnight", de Thelonious Monk, com congas, cello e
baixo.
No material de publicidade do
álbum de Cachaíto consta com
destaque a informação de que o
músico é peça importante no projeto Buena Vista Social Club
-nascido em 97 com o disco organizado por Ry Cooder e o filme,
dirigido por Wim Wenders.
Entretanto, Cachaíto é firme:
"estou no Buena Vista, mas esse
não é o meu mundo".
"O disco, o filme e tudo o que
veio depois com o Buena Vista foi
muito bom para a música cubana,
mas há muita gente que ficou de
fora. Quem gostou do que ouviu
tem de ir ver o que se faz em Santiago, em outras cidades."
Além de excursionar com o disco em turnê, Cachaíto ajuda a lançar o CD solo do amigo Angá, do
qual também participa. O trabalho do tocador de conga deve sair
no início do ano que vem. "Também quero fazer algo com Carlinhos Brown, a música baiana que
ele faz tem muito a ver com o que
temos em Cuba."
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