São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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FÓRUM CULTURAL MUNDIAL

O inédito "Terra e Cinzas", de Atiq Rahimi, tem sessão em SP com a presença do cineasta

Filme traz a dor da guerra por um afegão

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Sobreviventes a um bombardeio que destruiu sua aldeia e sua família, o velho Dastaguir e seu neto Yassin peregrinam pelo Afeganistão. O homem carrega a idéia de que, "na guerra, os mortos estão melhor do que os vivos". Para o menino, "o tanque aprisionou todas as vozes". Tornado de súbito surdo pela explosão, Yassin acha que o mundo silenciou.
Os personagens que o autor afegão Atiq Rahimi tornou célebres com o livro "Terra e Cinzas" (Estação Liberdade) poderão ser vistos hoje, em São Paulo, em sua encarnação cinematográfica, no filme dirigido pelo próprio escritor.
"Terra e Cinzas" pré-estréia na presença de Rahimi, em sessão da mostra 20 Anos Fonds Sud (co-produtor do longa), que integra a programação artística do Fórum Cultural Mundial.
No filme, como no livro, Rahimi faz poesia com uma história de dor e desolação. E encontra modos essencialmente cinematográficos de enunciar suas idéias, como quando, após uma lúdica caça a um animal visto no caminho, Yassin o perde para uma mina terrestre. Deve haver poucas demonstrações mais precisas de que as artimanhas da guerra roubam, a um só tempo, a vida e a possibilidade de se divertir com ela.
Na entrevista a seguir, Rahimi fala de sua obra.
 

Folha - O sr. teve uma idéia literária e uma idéia cinematográfica sobre o mesmo tema? Ou se esforçou para traduzir seu livro em filme?
Atiq Rahimi -
Quando deixei o Afeganistão, em 1984, e me exilei na França, não via razão para seguir com meus estudos literários. Precisei de outra linguagem para me expressar, e foi a da imagem. Estudei cinema na França.
"Terra e Cinzas" começou como uma sinopse e, aos poucos, transformou-se num livro. Quando saiu, uma produtora me propôs adaptá-lo. Eu me lancei nessa aventura, que foi uma armadilha.
O livro é íntimo demais, interiorizado. Minha idéia foi ir além dele. Não queria me repetir nem traduzir cada palavra em imagem. Queria falar de outras coisas e dizê-las de uma forma diferente.

Folha - No filme, o sr. trata os personagens de modo menos interpelativo e mais observador. Como avalia sua tradução para o cinema?
Rahimi -
No filme, procurei ressaltar um pressuposto ideológico, tanto na narrativa como na direção. Isso porque percebi que, numa história como esta, seria fácil cair no miserabilismo e no sentimentalismo que o mundo espera de um país como o Afeganistão.
Então busquei uma mise-en-scène em que os atores (não-profissionais) fossem como modelos (na expressão de Robert Bresson), o que permite uma distância entre eles e a história, entre o filme e o espectador.

Folha - No filme, há a mulher na beira da estrada, de quem ninguém sabe nada, e a imagem fugidia da mulher de Murad. É um retrato da situação inapreensível das mulheres no Afeganistão?
Rahimi -
Esse é um dos pontos que quis desenvolver. A sociedade afegã, estando ou não sob o Taleban, reprime as mulheres. Depois da queda do Taleban [em 2001], notamos que as condições existenciais, sexuais, sociais, econômicas e culturais das mulheres não melhoraram.
Porque essas condições não dependem só da situação política do país mas dos homens e do sistema patriarcal que eles instalaram, em nome da tradição ancestral, religiosa. É preciso denunciá-lo.

Folha - Considerando sua participação no fórum, qual deve ser o grande debate cultural de hoje?
Rahimi -
Não podemos combater a mediocridade do mundo pela política, mas sim pela cultura, que prova que o sofrimento de um afegão é igual ao de um americano; que o sangue de um africano tem o mesmo valor do de um francês; que o amor é tão poético no Brasil quanto na Índia, que as azeitonas de um camponês palestino têm o mesmo gosto das de um camponês israelense; que...


TERRA E CINZAS. Direção: Atiq Rahimi. Onde: Cineclube DirecTV (r. Augusta, 2.530, SP, tel. 0/xx/11/3085-7684). Quando: hoje, às 19h. Quanto: grátis.

Leia mais sobre o Fórum Cultural Mundial na Folha Online (www.folha.com.br/especial/2004/forumculturalmundial)



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