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FESTIVAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Programação que terminou no final de semana, marcada pela introspecção e pela perplexidade, promete boa colheita em 2004
Palco recebe confissão de todas as dúvidas
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Com o tema da utopia e da exclusão, com participação da
Argentina e do Equador, seria de
se supor que a épica brechtiana se
espalhasse pelo 3º Festival de São
José do Rio Preto. Predominou o
questionamento aberto, a partir
de recursos modestos, mas o
olhar foi mais antropológico que
sociológico, mais intimista que
doutrinário, mais evocação da
memória que apelo à revolução.
Assim, os argentinos do Periférico de Objetos em "A Última
Noite da Humanidade" mergulharam em um lúdico sarcasmo
ao expor a contra-utopia de um
"reality show" que isola e anestesia, mas não abriram mão do lirismo ao projetar fragmentos de filmes caseiros, levando ao desespero de querer voltar para casa,
quando casa não há mais.
Desse exílio da memória pessoal parte o Grupo Malayerba em
"Nuestra Señora de las Nubes":
reinventar o passado é condição
básica para manter a dignidade
no presente, mesmo se o real assim criado seja fantástico e fragmentário.
A projeção de um passado feliz
em contraponto a um incômodo
presente marca também "A Volta
ao Dia em 80 Mundos", da Cia.
Brasileira de Teatro de Curitiba.
Márcio Abreu, contando com o
enorme carisma de Maureen Miranda e Christiane de Macedo,
reinventa Julio Cortázar no feminino, ao propor o mundo como
um jogo de desmontar.
Para os náufragos na utopia, a
objetividade só pode ser vista com
ironia, como a Cia. Coreto da beckettiana Cláudia Missura, que traduziu os tratados de Descartes em
programa culinário de televisão,
em "As Paixões da Alma", ou como origem da tragédia, no sol a
pino do dia aristotélico de "Medéia", encarnada com impacto
por Cibele Jácome, na versão do
teatro do Pequeno Gesto, do Rio.
Fazendo a ponte entre essas
ilhas utópicas, o resgate da memória transformava o elenco do
Lume Teatro nos excluídos do
Brasil, no inesquecível "Café com
Queijo". Sussurrados ao ouvido
de cada viajante da "Viagem em
Terra Interior", laboratório de vivências de Léa Dant, os segredos
compartilhados transtornavam o
público vendado.
Assim, apesar do troféu pela
participação no festival ser o são
José sorridente, nunca se viu tantas lágrimas na platéia. Desde a
trilogia bíblica do teatro da Vertigem, catarse coletiva, até a comunhão das angústias do artista, solidão da "mulher de olhos fechados", episódio do "Prêt-à-Porter
5" do CPT de Juliana Galdino, e
da escultora Camille Claudel no
delicado "O Deus que Voou", teatro-dança do Teatro do Limite, o
que se pôs no palco nesse ano de
transição não foram fórmulas
prontas, mas a confissão de todas
as dúvidas.
"VOCÊ TEM CERTEZA?", mote da provocação do multiartista
Juny Kp!, sintetiza: o 3º Festival de
Rio Preto, marcado pela introspecção e perplexidade. Semeada a
utopia e regada com lágrimas da
emoção, a safra do ano que vem
promete uma grande colheita.
O crítico Sergio Salvia Coelho, o jornalista Valmir Santos e a fotógrafa Lenise
Pinheiro viajaram a convite da organização do festival
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