São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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CRÍTICA

Filme viola percepção da HQ

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ciclo evolutivo do qual surge "Sin City - A Cidade do Pecado" sugere regressão e contradição. Superficialmente, no plano das imagens, trata-se de adaptação fílmica ao pé da letra de uma HQ. O paradoxo é que essa transição aparentemente respeitosa vai contra conceitos básicos das duas mídias, habitando uma zona nebulosa de fetichismo.
Nas fotos publicadas na imprensa -e apenas nas imagens estáticas-, percebe-se que o traço da "graphic novel" de Frank Miller e as ambientações noir estão intactas. O filme praticamente usa os quadros do autor como storyboards e os textos dos balõezinhos como diálogos dos atores.
Quando tais cenas ganham a ilusão do movimento própria do cinema, começam os choques intransponíveis que impedem a evolução de "Sin City". Ler uma HQ é experiência que requer do leitor a retenção de imagens paradas, aquisição gradual de conceitos que pede o silêncio de falas que acontecem apenas no papel.
Robert Rodriguez e Miller, os diretores, na busca pela fidelidade, foram os mais infiéis possíveis ao violar, com uma estética do real que se pretende irrealista, o espaço da imaginação do público. Em "Sin City", o espectador é passivo, não é convidado a participar da ação. Não há tempos mortos -que existem no original, mesmo que timidamente.
Percebe-se, então, como os elementos a mais que o cinema possui em relação às HQs foram superutilizados. A atmosfera que se pretende noir vem poluída por estrondos onipresentes, uma certa ação ininterrupta e uma comicidade mal adaptada, potencializando o sadismo de personagens.
Não se trata do mesmo produto apenas embalado em pacotes diferentes. Isso fica claro na cena em que Marv (Mickey Rourke), dirigindo um carro, arrasta um sujeito pelo asfalto para arrancar-lhe uma informação. Em movimento, a cena parece artificialmente inserida, como se vinda de uma comédia pastelão, mas sem a ironia de Quentin Tarantino em "Kill Bill", por exemplo. Ou a cena de "A Grande Matança" que está no filme, em que as garotas evidenciam um prazer celebratório no ato de assassinar.
É como se Rodriguez virasse a página para os espectadores, poupando-lhes do esforço, como um livro-áudio que não substitui a experiência de ler um livro impresso. O longa reproduz, de maneira invertida, certos cenários que surgiram há mais de cem anos, em que a tecnologia de uma arte libertava ou ampliava as possibilidades de uma outra -cinema e fotografia, fotografia e pintura etc. "Sin City" tem mais a ver com aprisionamento a uma estética de imitação da imitação do real, algo apenas melancólico como um final de noite de domingo habitado por Charles Bronson.


Sin City - A Cidade do Pecado
Sin City
  
Direção: Robert Rodriguez e Frank Miller
Produção: EUA, 2005
Com: Bruce Willis, Mickey Rourke
Quando: a partir de hoje, nos cines Espaço Unibanco, Lar Center e circuito


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