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FESTIVAL DO RIO 99
Roberto Farias celebra meio século de cinema
AMIR LABAKI
enviado especial ao Rio
Roberto Farias terá meio século
de cinema no ano 2000. O corrente Festival do Rio antecipa a celebração com uma retrospectiva
completa de seus filmes, muitos
em cópias novas.
Carioca de Friburgo (130 km do
Rio), nascido em 1932, Farias formou-se nas chanchadas, tornou-se companheiro de viagem do cinema novo, levou Roberto Carlos
ao cinema e dirigiu a Embrafilme
em seus tempos áureos (1974-1978). Teve tanto sucesso como
diretor ("Assalto ao Trem Pagador", "Pra Frente, Brasil") quanto
como produtor ("Os Paqueras",
"Barra Pesada").
Essa visão global da atividade
cinematográfica transformou-o
num dos raros cineastas brasileiros desde sempre empenhados
em filmes de fácil diálogo com o
público. Um cinema acessível,
mas vigoroso. Pena que se restrinja a 13 títulos como diretor (leia
quadro nesta página) e a uma dezena como produtor,
sem contar as 14 chanchadas das quais foi assistente de direção.
Sua filmografia não é
maior porque Farias jamais hesitou em pôr a
mão na massa, visando
tirar a produção nacional do ciclo histórico de
surtos e crises.
Depois de capitanear a
Embrafilme, no período
em que o cinema brasileiro se firmou popularmente em mais de um
terço do mercado, Farias
tornou-se um dos mais
precisos e certeiros analistas da indústria audiovisual no Brasil.
O diretor de "Cidade
Ameaçada" (1959) e
"Selva Trágica" (1964)
pode discorrer horas,
com veemência e sem consultar
papéis, sobre a frágil economia do
cinema brasileiro. Mas foi para
uma rara entrevista sobre seus filmes que Farias recebeu a Folha,
no fim-de-semana passado, em
seu apartamento na Gávea.
O encontro matinal foi encaixado na agenda de Farias, atribulado com a direção das gravações
de mais um episódio do "Você
Decide" da Globo.
"O Hóspede Americano", seu
mais recente projeto, sobre o encontro entre o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt e o Marechal Cândido Rondon, não conseguiu captar os recursos necessários pelas leis de incentivo. "Talvez eu tenha de mudar de projeto", afirma, serenamente resignado. Há 12 anos, Farias está afastado da função de diretor de cinema.
Leia abaixo uma síntese da entrevista.
Folha - Qual foi o cinema que o
formou como espectador?
Roberto Farias - Muito cedo,
eram os filmes de bangue-bangue, fitas em séries, Roy Rogers, o
Cobra, Tarzan, o Misterioso Doutor Satã. Estou falando da década
de 30. Aos 3 anos e meio fugi de
casa para ir ao cinema. Desde bebê minha mãe me levava.
Depois, os musicais me divertiam, mas achava muito chato pararem de contar a história para
cantar. O que me fascinava mais
eram os policiais americanos classe B. Não posso te dizer nem títulos de filme, pois os via como espectador comum.
Lembro-me de uma imagem
que me causou um impacto muito grande: a primeira vez que vi
Ava Gardner no cinema, andando
com umas roupas gregas. E as comédias me agradavam muito,
com Bing Crosby, Bob Hope e
Dorothy Lamour.
Folha - Qual foi a grande lição
da chanchada para você?
Farias - A chanchada foi que me
colocou diante da atuação profissional. Como um diretor fala com
os atores, como tirar deles o que
pretende, como colocar nas dimensões da tela o que quer contar. A felicidade na chanchada era
participar de tudo.
Só coloquei o mundo que eu via no cinema a partir do "Trem Pagador". A parte de que eu menos gosto é a que tem mais influência do cinema
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Antes mesmo de ir para a Atlântida, eu via em Friburgo o (Watson) Macedo, o Alinor (Azevedo),
o Cajado Filho, o Anselmo Duarte
trabalhando nos roteiros. Eu era
colega de colégio do irmão do
Macedo (Dicson).
Folha - A chanchada é a origem de sua preocupação em fazer filmes de fácil relação com o
público?
Farias - Com certeza teve uma
importância muito grande. Eu
lembro que o (Watson) Macedo
dizia: "Eu não me importo que o
espectador mais sofisticado se
aborreça um pouco, mas quero
que aquele menos preparado entenda o que eu estou contando".
Mas me lembro, quando era
muito menino, que meu avô era
um bom contador de histórias, e
minha mãe excelente.
Folha - Como você se situa em
relação ao cinema novo?
Farias - Eu faço parte de coisas
importantes do cinema novo.
Glauber (Rocha) estabeleceu as
bases filosóficas do cinema novo.
Disso eu não faço parte. Sou dez
anos mais velho que o cinema novo. Eles não eram meus colegas.
Eu tinha uma ligação com o velho
cinema e com o novo também.
Glauber me entrevistou fazendo
"Cidade Ameaçada". Naquela
época meu sonho era fazer um filme de cangaceiro, que nunca fiz.
Eu pedi ao Glauber para escrever
um roteiro para mim. Ele me
mandou uma carta dizendo que
não podia.
Naquele momento eu ainda via
o mundo por meio do cinema. Só
coloquei o mundo que eu via no
cinema a partir do "Trem Pagador". Inclusive a parte de que eu
menos gosto é a que tem mais influência do cinema. O "Trem Pagador" de que eu mais gosto é
aquele em que eu mesmo saí junto com a polícia, procurando o
corpo, conversando com o delegado que estava caçando os bandidos, indo a morros.
Isso tudo me deu outra forma
de ver o mundo e de colocar o
mundo no cinema.
Folha - Qual sua participação
na Difilm?
Farias - Fundamos a distribuidora. Eram 11 sócios: Rex Schindler, Luiz Carlos Barreto, meu irmão Riva, eu, Nelson
(Pereira dos Santos),
Joaquim (Pedro de Andrade), Glauber, Roberto Santos, Paulo César
Saraceni, Cacá (Diegues) e mais um. Não
queríamos ganhar dinheiro, mas capitalizar a
produção por meio da
distribuição. A proposta
era ter gente fazendo cinema. Era uma proposta
coletiva. Não há a menor
dúvida que a Difilm ajudou a impulsionar um
momento importante
do cinema novo.
Folha - Sua carreira
costuma ser dividida
entre os filmes chanchadescos, dos primeiros à trilogia com Roberto Carlos e ao último com os Trapalhões,
e filmes socialmente mais engajados, como "Cidade Ameaçada" e "Pra Frente, Brasil". Como
se reconhece nessa divisão?
Farias - Eu sou eu mesmo em
cada um dos filmes que estou fazendo, seja brincando, seja falando sério. As duas primeiras chanchadas que fiz já tinham alguma
preocupação social. "Rico Ri à
Toa" já tem o germe do "Assalto
ao Trem Pagador". É a história de
um grupo que recebe um dinheiro que não deveria poder gastar.
Folha - Vários de seus filmes
são marcados pela velocidade,
do "Assalto" e "A 300 km por
Hora" aos documentários sobre
Fittipaldi e Ayrton Senna (para a
TV). É consciente?
Farias - Essas coisas aconteceram. Não sou um aficionado do
automóvel. Gosto de imprimir velocidade nos filmes.
Folha - Qual é seu filme brasileiro preferido?
Farias - Tem dois filmes brasileiros que eu adoro: "Vidas Secas", do Nelson, e "Deus e o Diabo
na Terra do Sol", do Glauber.
Folha - E estrangeiro?
Farias - Isso tem épocas. Mas
gosto muito do "Cidadão Kane".
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