São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2000

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PSICANÁLISE
Maior parte dos seguidores de correntes alternativas à freudiana se filiam ao método do francês dissidente
Teses de Lacan se adaptam aos trópicos

DA REPORTAGEM LOCAL

Fora da International Psychoanalythical Association (IPA), a instituição original criada por Freud, há uma multidão de psicanalistas de diferentes correntes. A maioria deles influenciados pelo pensamento de Jacques Lacan, embora existam os chamados "independentes" (que não fazem parte da IPA nem são lacanianos "duros"). A presença do Brasil nessa esfera também cresceu muito nos últimos anos.
Todo o multifacetado universo exterior à IPA e à ortodoxia lacaniana reuniu-se em julho passado em Paris, em um encontro denominado Estados Gerais da Psicanálise. Além da convocação dos Estados Gerais ter sido inspirada por uma psicanalista brasileira, Helena Besserman Viana, do Rio de Janeiro, o número de trabalhos apresentados por profissionais do Brasil esteve entre os mais altos do mundo.
O psicanalista francês Jacques Lacan rompeu com a IPA na década de 50. Polêmico como analista, porém unanimemente reconhecido como intelectual brilhante, ele criou uma nova escola psicanalítica.
Os numerosíssimos filhos espirituais de Lacan, espalhados pelo planeta, terminaram por se reunir em outra organização internacional, com sede em Paris, a Association Psycanalytique Mondiale (APM).
Com a morte de Lacan, em 1981, a APM passou a ser comandada pelo contestado genro do mestre, Jacques Alain-Miller, o que gerou inúmeras divisões, com a formação de novas organizações. No Brasil, a Escola Brasileira de Psicanálise, dirigida pelo psicanalista de São Paulo Jorge Forbes, filia-se à APM. Mas há dezenas de instituições lacanianas no Brasil que não respondem à APM.
No Brasil, assim como na Argentina, o lacanismo difundiu-se muito. Pulverizados, é difícil saber quantos psicanalistas lacanianos existem no país, mas superam em larga escala os da IPA. De modo geral, a formação de um psicanalista lacaniano não obedece à demoradíssima liturgia da IPA.
A inventividade lacaniana deu-se bem nos trópicos. Para uma das precursoras dessa escola no Brasil, a psicanalista e escritora Betty Milan, o Brasil é "muito favorável para a psicanálise, porque nele vigora a cultura do brincar".
Betty, que mora entre Paris e São Paulo, fez análise com o próprio Lacan. A experiência está relatada no romance "O Papagaio e o Doutor". Depois, ela trabalhou por muitos anos com o carnavalesco Joãosinho Trinta. Em 1985, promoveu, junto com Magno Machado Dias, o Congresso da Banana no Copacabana Palace do Rio de Janeiro. "No encerramento, a Beija-Flor entrou no Copa", lembra Betty. "Foi maravilhoso."
"Na psicanálise você só faz alguma descoberta se tiver uma atitude de gratuidade em relação às palavras", afirma ela. "Ao brincar, o carnavalesco traz junto uma sublimação." Por isso, está convencida de que o Brasil é o país da psicanálise. "No dia em que o Brasil aprender a diferençar brincadeira de sacanagem, o Brasil vai ser nota 10."
Forbes, representante de Alain-Miller no Brasil, pensa em direções parecidas às de Milan. "O Brasil é um país perceptivo o suficiente para não se levar a sério", diz ele. "E a psicanálise se dá mal em países que tentam fazer uma ortopedia do desejo."
Forbes não acha casual que tenha sido um engenheiro e físico brasileiro, o professor de filosofia Newton da Costa, da Universidade de São Paulo (USP), o inventor da lógica paraconsistente, "a única formalização existente da lógica que Freud descobriu no inconsciente", acrescenta Forbes. "O inconsciente não se estrutura segundo o princípio da não-contradição", acrescenta Betty Milan.
Autor do livro "Da Palavra ao Gesto do Analista", Forbes se prepara para fazer em outubro uma conferência em Paris sobre a relação entre a psicanálise e a música de Tom Jobim. "O Brasil é hoje o grande laboratório da psicanálise", conclui, entusiasmado. (AS)


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