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"VIAGENS"
Filme retrata povo sem memória
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um grupo de velhos judeus
excursiona pela Polônia, retornando, como que pela última
vez, à origem de um passado traumático. Entre reminiscências e
querelas cotidianas, geradas pelo
ranço de relações enrijecidas, eles
revisitam o palco de um pesadelo
de infância, Auschwitz e o gueto
de Varsóvia, dando-se conta talvez, agora que estão chegando ao
final da vida, de que nunca pertenceram senão aos mortos.
Não por acaso, "Viagens", notável longa de estréia de Emmanuel
Finkiel, diretor que já foi assistente de Kieslowski e Godard, começa num cemitério.
Trata-se, para ele, de dar continuidade ao luto sob o qual nasceu
a modernidade cinematográfica
após a Segunda Guerra. É assim
que a tal excursão logo abandona
seu roteiro de "espaços determinados" para se perder num daqueles "espaços quaisquer" que
tanto caracterizaram o cinema
neo-realista do pós-guerra e a lacunar realidade de um mundo em
ruínas. Nascido das cinzas, de
dentre os mortos, aquele cinema
carregava o luto na memória. Mas
o que fazer quando a memória,
esvaecendo-se, torna-se a lacuna?
As personagens de "Viagens"
são as crianças do neo-realismo,
isto é, os órfãos da guerra, envelhecidas. Elas continuam perdidas em perambulações, mas já
não guardam a esperança, apenas
um certo amargor (é o que revela
Riwka, uma das protagonistas).
O retrato que Finkiel compõe
aqui é o de uma geração que nem
chegou a reconstruir sua identidade e já começa a perder aquela
que é sua maior preciosidade, a
memória (e, com ela, sua língua, o
iídiche). Tal é o desespero de Regina, outra protagonista, que
reencontra o pai, tido como morto durante a guerra, mas não consegue se reconhecer na memória
falha do velho. Logo, ela estará
apelando para fotos gastas e rasgadas, os documentos de identidade últimos -e já evanescentes- dos personagens do filme.
Zavattini definira o neo-realismo como uma arte de encontros
fragmentários e fracassados. A
realidade retratada aqui é a de
uma geração que, vitimada pelas
atrocidades nazistas, procura até
hoje se reencontrar.
Mas, como evidencia o malfadado encontro de Vera, a terceira
protagonista, com sua prima, o
tempo também foi implacável para com essa geração. Assim, ainda
que estruture o seu filme em torno da possibilidade de um verdadeiro encontro, Finkiel não faz senão afirmar sua impossibilidade.
Viagens
Voyages
Direção: Emmanuel Finkiel
Produção: França, 1999
Com: Shulamit Adar, Liliane Ròvere e
Esther Gorintin
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco e na Sala UOL de Cinema
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