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LIVRO/LANÇAMENTO
"SEXTA-FEIRA OU A VIDA SELVAGEM"
Francês disseca, em versão "júnior", personagens do clássico de Defoe
Tournier persegue "face oculta" dos mitos de Crusoé
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
O que é um mito? "Um mito é
uma história que todo mundo já conhece", responde Michel
Tournier, escritor francês, autor
de "Sexta-Feira ou a Vida Selvagem", que acaba de ser lançado
no Brasil.
Pois quem não conhece a saga
de Robinson Crusoé, personagem
de um romance clássico publicado por Daniel Defoe (1660-1731)
em 1719? A história, simples e encantadora como é comum entre
os mitos, narra as atribulações de
um homem civilizado que é obrigado a reaprender a conviver com
a natureza após ficar isolado em
uma ilha após um naufrágio (não
confunda com Tom Hanks!).
Mais que isso, Robinson é um
mito sobretudo porque exemplifica sob um formato popular (o
romance) um conjunto de valores
-o individualismo- que emergia com força naquele que hoje
nos parece um longínquo século
18 e do qual não somos nada menos que a radicalização.
"Sob qualquer aspecto que o
consideremos, Robinson está
presente e vive em cada um de
nós. Seu mito é, com certeza, um
dos mais atuais que possuímos,
ou melhor, que nos possui", escreve Tournier em sua autobiografia, "Le Vent Paraclet".
"Sexta-Feira ou a Vida Selvagem" é uma versão "júnior" de
outro romance de Tournier, "Sexta-feira ou os Limbos do Pacífico". Uma releitura dessa obra numa perspectiva menos metafísica,
mais lúdica, portanto mais sedutora para leitores jovens, cuja
atenção o autor pretendia capturar ao reescrevê-la.
E por que Tournier dá, em ambos os títulos, primazia a Sexta-Feira, e não a Robinson? Porque
ele é a "face oculta" do mito original. Tournier a retoma não para
"desmistificar" o ímpeto civilizatório do Robinson erigido por Defoe. Mas para criar, dentro do mito original, um espaço para a
emergência de um novo mito, a
do "selvagem" ou "incivilizado"
que, mais do que destruir os delírios de poder que tomam conta
do "grande senhor de Speranza",
oferece a ele uma alternativa
"além do bem e do mal".
Robinson é um herói abandonado à mais extrema das provações, a solidão. Só, ele aprende a
se impor à natureza, instrumentaliza-a conforme suas necessidades. Só, ele aos poucos se desumaniza e vê se despedaçar cada traço
de sua civilidade. Sexta-Feira vai
subverter tudo isso.
Mas não se espere daí uma ilustração simplista de idéias como
"choque de culturas" ou a "up-to-date" "confronto de civilizações".
Ao mesmo tempo em que sua
chegada detém o processo de
"animalização" que ameaça Robinson (perda gradual da linguagem, primitivização do erotismo,
regressão uterina) esse "outro"
lança Robinson num processo de
descoberta de uma alternativa à
oposição "civilizado x selvagem".
Sob a influência informal de
Sexta-Feira, Robinson vai se adequar à natureza e desistir de simplesmente programá-la; vai descobrir a fragilidade de seu domínio sobre a ilha, quando tudo for
pelos ares em segundos.
Por isso, quando é dada a Robinson a escolha entre o mundo
civilizado e a vida selvagem, ele
pode, com toda a tranquilidade,
decidir por um mundo novo.
Sexta-Feira ou a Vida Selvagem
Vendredi ou la Vie Sauvage
Autor: Michel Tournier
Tradução: Flávia Nascimento
Lançamento: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 18 (136 págs.)
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