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LITERATURA
Livro de Ariadne Araújo resgata a vida de Bárbara de Alencar, que liderou revolução no Crato (CE) em 1817
História apaga rosto de primeira presa política do Brasil
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Harmonia nos traços, boca ampla, lábios firmes, porte alto e forte, quase masculino, braços longos, passada larga e decidida.
É tudo que a história do Brasil
deixou da primeira presa política
do país, Bárbara de Alencar, nascida em Exu, Pernambuco, a única mulher a participar ativamente, no vale do Cariri cearense, da
ação revolucionária de 1817 no
Nordeste, que tentou varrer as
forças do Império e antecipar fachos de iluminismo nos arredores
da Chapada do Araripe.
Noves fora a descrição guardada na memória fisionômica de
parentes, lembrança cinzenta que
ajudou na construção da estátua
possível, em Fortaleza, não há sequer uma única imagem da mulher que enfrentou a Coroa Portuguesa e decretou, no Crato (CE),
uma república independente.
Daí a importância de "Bárbara
de Alencar", da jornalista cearense Ariadne Araújo, modesto nas
suas cinco dúzias de páginas, mas
um livro que vale pelo ajuntamento de fatos desse capítulo da
história marginal brasileira.
Ao contrário da escritora Patrícia Galvão, Pagu, condenada pelo
governo Getúlio Vargas, em 1940,
sabe-se pouco, ou quase nada, sobre a presa política do Crato. A
utopia caririense começara no
agito do Recife de março de 1817,
que havia dado "morras ao rei" e
"vivas à República". A insurreição
de Pernambuco, com a independência decretada, conseguiu perdurar por 75 dias.
O grito de Bárbara de Alencar
sustentou-se por apenas uma semana, mas o suficiente para provocar o ódio da realeza, que passou a castigá-la sem piedade. Ora,
uma revolucionária de saias naqueles tempos era uma assombração histórica e tanto.
No dizer do etnólogo potiguar
Luís da Câmara Cascudo, a revolução de 1817 foi a mais linda,
inesquecível, arrebatadora e inútil
das revoluções brasileiras.
Para a agitadora do Cariri, representou sacrifício. Ela teve os
bens da família confiscados e foi
presa, aos 57, viúva, juntamente
com os três filhos, José Martiniano (pai do escritor cearense José
de Alencar), Carlos José e Tristão
Gonçalves, em porões de Fortaleza, Recife e Salvador.
Contaram-se quatro anos de
cárcere brabo. A alimentação era
servida em cochos de madeira,
não havia colher nem garfo. No
cardápio, tripas escaldadas ou
iguarias do gênero.
Somente no começo da década
de 20 do século 19, a família Alencar é posta em liberdade. As idéias
revolucionárias, no entanto, ficaram ainda mais assanhadas depois da prisão.
Os filhos Tristão e Carlos, com a
bênção da mãe, engajam-se, em
1824, nas agitações da Confederação do Equador, liderada, a partir
do Recife, pelo Frei do Amor Divino Caneca -os pernambucanos
não aceitaram a Constituição outorgada por d. Pedro 1º e irradiaram uma revolta que tomou conta do Norte e Nordeste.
A idéia de Caneca era instaurar,
para valer, um regime federalista
e republicano, com autonomia
das províncias. Mais uma vez os
Alencar, homens de boa vontade,
estavam na linha de frente.
A reação de d. Pedro, que contratou até mercenários ingleses
para a tarefa, derrubou os confederados. Haja sangue, pois o reinado não esperava homens tão
destemidos naquela empreita.
Nessa luta dos diabos, Bárbara
de Alencar, refugiada na fazenda
Touro, na divisa do Ceará com o
Piauí, perdeu os filhos Tristão e
Carlos, crivados de bala pela reação das tropas imperiais.
A heroína sem rosto morreu aos
72 anos, lá mesmo no refúgio, em
1832. Nos seus shows na região, ao
mandar ver em baiões e loas sobre
o Cariri, Luiz Gonzaga sempre
saudava "dona Bárbara de Alencar", tratamento respeitoso ainda
vivo na prosódia dos mais velhos
daquele vale.
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