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Percurso estético do escritor vai do inferno ao paraíso
CRÍTICO DA FOLHA
Pode causar espanto, dada a
erudição do autor, que a poesia de
Eliot faça sucesso no Brasil. Mas
faz. A antologia "Poesia", traduzida por Ivan Junqueira, na década
de 1980, esgotou três edições em
dois meses e figurou na lista dos
mais vendidos da revista "Veja".
O pasmo é justificável. Dos arrojos vanguardistas de "A Terra
Devastada" à elaborada arquitetura meditativa dos "Quatro
Quartetos", sem falar do estilo
marcado pela fragmentação constante e pela citação (quer seja de
Dante, de Virgílio, dos simbolistas franceses, dos "Upanishad",
quer seja de si próprio), nada faria
supor tamanho bom êxito.
Mas Eliot, que nasceu nos Estados Unidos e adotou cidadania
inglesa aos 28 anos, tem algo que
agrada ao leitor, independentemente de este entendê-lo por inteiro ou não. A fragmentação e a
citação relacionam-se à idéia de
que aquilo que vale não é o "talento individual" do poeta, mas a capacidade de dar vida a "poetas
mortos, seus ancestrais".
O ineditismo é uma ilusão para
o autor, que observou, em "East
Coker": "Dirás que estou a repetir/Alguma coisa que antes já dissera. Tornarei a dizê-lo". Por isso,
é costumeiro Eliot formar um
poema pela fusão de outros, como "Os Homens Ocos"; ou pela
junção de versos não utilizados,
como os "Poemas Menores", ou
de fragmentos de peça: "Burnt
Norton" exibe trechos descartados de seu drama "O Assassínio
na Catedral".
Há uma constante imbricação
entre arte poética e dramática em
Eliot. Desde "Prufrock e Outras
Observações", detecta-se o gosto
pela criação de personagens (como o quase ridículo Prufrock, que
pode ter sido inspirado em
"Crapy Cornelia", novela de
Henry James), pelo anedótico, pelo prosaico, pelas criação de cenas
dramáticas.
É famosa a concepção de Eliot
de que o teatro é a forma ideal para a poesia. E vice-versa. Assim,
deu-se naturalmente a transição
para o drama. Suas peças eram
comissionadas pela Igreja Anglicana, à qual se converteu. A primeira foi o quadro sacro "A Rocha" (1934), mais tarde, chamado
de "Coros de "A Rocha'", que se
incluem no volume de poesia.
No ano seguinte, veio "Assassínio na Catedral", sobre o homicídio de Tomás Becket, arcebispo
da Cantuária, por cavaleiros do
rei, em 1170. A idéia de martírio
atravessa também a tragédia
"Reunião de Família" (1939) e
"Cocktail Party" (1949). De clima
mais ameno são as comédias sérias "O Velho Estadista" (1959) e o
"Secretário Particular" (1953).
A despeito do êxito desta última, que rendeu a "lírica soma de
um milhão de dólares", e de "Assassínio...", que virou filme e ópera, as peças de Eliot parecem mais
afeitas à leitura do que à montagem. Junqueira acredita que elas
exigem do espectador "uma grande atenção e cultura", que frustra
o público moderno. Ivo Barroso
concorda: "Veja o caso de "Assassínio'; quase tudo é preparação
para o crime, é a aceitação do
martírio; Eliot investe no mental,
no poético, nas divagações teológicas", observa.
O caráter, por assim dizer, de revelação piedosa, evidente nas peças, também marca a trajetória
poética de Eliot. Na introdução ao
volume de poesia, Junqueira
mostra que o movimento -do
tédio existencial de "Prufrock",
percorrendo o horror e as ruínas
de "A Terra Devastada", até as visões de glória de "Quarta-Feira de
Cinzas" e a atemporalidade dos
"Quatro Quartetos"- pode ser
visto como uma passagem pelo
Inferno e Purgatório até o Paraíso. Ou seja, uma "Divina Comédia" à Eliot.
Há quem julgue que o poeta esmoreceu ao abrir mão do pessimismo demolidor dos primeiros
versos e abraçar a esperança na
redenção da humanidade. Junqueira não. Sem descartar a importância dos poemas vanguardistas, ele considera os "Quatro
Quartetos", por exemplo, da segunda fase, "o ponto mais alto de
toda a criação poética eliotiana".
A verdade é que, como em Dante, há quem prefira "O Inferno",
enquanto outros, como Umberto
Eco, louvam o "Paraíso". Eliot
oferece os dois lados. "Assim expira o mundo/ Não com uma explosão, mas com um gemido" são
versos de "Os Homens Ocos";
"Devo eu que reinei como águia
entre pardais/Agora me tornar
chacal entre chacais?", é fala de
Becket, em "Assassínio na Catedral". E "Vai, vai, vai, disse o pássaro: o gênero humano/Não pode
suportar tanta realidade" está em
"Burnt Norton".
No fundo, suas criações aguçam
a imaginação porque tangenciam
a velha vertigem da humanidade,
abismada entre o céu e a terra, entre ser e o não-ser.
(MP)
OBRA COMPLETA: POESIA VOL. 1 .
Autor: T. S. Eliot. Tradutor: Ivan
Junqueira. Editora: Arx. Quanto: R$ 69
(568 págs.).
OBRA COMPLETA: TEATRO VOL. 2.
Autor: T. S. Eliot. Tradutor: Ivo Barroso.
Editora: Arx. Quanto: R$ 85 (704 págs.).
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