São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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ARTES VISUAIS

Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Brumadinho, é inaugurado com recepção de 700 convidados

Com exotismo e críticas, Caci abre as portas em MG

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BRUMADINHO

Choque e deslumbramento. Após viajar 60 km de Belo Horizonte, passa-se por Brumadinho. Chega-se, então, a Inhotim, bairro ainda mais popular, com barracos numa situação quase favela. É quando há um corte na paisagem; de repente, a mata fica organizada, palmeiras imperiais dão ar majestático. É o Caci (Centro de Arte Contemporânea de Inhotim), inaugurado anteontem pelo colecionador Bernardo Paz.
Na recepção, os convidados, mais de 700, galeristas, artistas, colecionadores e curadores, a maioria vinda de avião com passagens pagas pelo anfitrião, recebiam uma taça do espumante Prosecco, um chapéu panamá e claro, as boas-vindas de Paz.
Para visitar as sete galerias do Caci, era preciso percorrer os 300 mil m2 de jardins, parte projetados por Burle Marx, sob o sol escaldante da última segunda, daí o chapéu. "Estou fascinada, é incrível como os brasileiros têm o dom de surpreender", comentava a colecionadora italiana Paola Golinelli, já com uma caipirinha em mãos, após caminhar pelo espaço e um pouco antes do almoço ser servido, numa cenografia exótica, com tantas flores em cada mesa que os comensais não conseguiam ver quem estava sentado à sua frente. "Estou procurando o anão Tatoo, porque isso parece mais a Ilha da Fantasia", era um comentário entre os convidados.
Golinelli faz parte do grupo de cerca de cem colecionadores e curadores estrangeiros que vieram ao Brasil tendo a Bienal de São Paulo como principal motivo. São turistas da arte, todos amigos, vestidos em Pucci e Prada.
Entretanto, a festa não agradou a todos. Foi o caso do crítico mexicano Cuauhtemoc Medina, que também é curador da Tate, de Londres. "Não falo em nome da Tate, mas me preocupa que está sendo criado um circuito público que cada vez mais se ajusta a um circuito globalizado", disse.
O mexicano aponta ainda "uma estrutura de distância e privilégio" como um dos problemas do novo espaço de arte contemporânea: "Creio que o nascimento do Caci faz parte do mesmo fenômeno da crise do Masp, isto é, a privatização do espaço público".
Mais cáusticos foram os comentários da curadora francesa Catherine David, responsável pela Documenta de Kassel, na Alemanha, em 1997. "Vejo tudo aqui como uma fantasia perversa. Não haveria problema se fosse apenas a reunião de um acervo, mas há uma pretensão social e cultural por trás. A questão é que não se está apontando para nada, não há questionamento", disse David.
E a coleção, que inclui grandes estrelas internacionais, como Janet Cardiff, Paul McCaarthy e Olafur Eliasson? "A seleção dos brasileiros não tem nada de novo, é banal. Já o grupo de estrangeiros é o que se vê por toda a parte, não tem visão, não tem aposta", disse David. A curadora apontou como exceção os espaços dedicados a Cildo Meireles e Tunga: "Ao menos, há trabalhos deles com sentido histórico".
No final do dia, o programa dividia as opiniões. Enquanto o curador brasileiro Ricardo Ribenboim elogiava "a generosidade de Bernardo Paz", outro brasileiro, Agnaldo Farias, dizia-se "triste ao saber da situação de penúria do Museu da Pampulha, em Belo Horizonte, e da ostentação do Caci". Antes de sair, alguns visitantes jogavam o chapéu panamá no lixo. Acabou o passeio. O público mesmo só terá acesso ao Caci a partir do próximo ano. Até lá, os organizadores irão abrir o local apenas para moradores da região.


O jornalista Fabio Cypriano e o fotógrafo Fernando Donasci viajaram a convite do Caci

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