São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Jorge Pardo, que teve um "não" escrito em seu trabalho na Bienal, afirma que o fato não o incomodou

Artista diz que ter obra pichada é "positivo"

GUSTAVO FIORATTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A pichação de uma obra de arte pode surgir tanto de uma brincadeira como de uma manifestação artística, na opinião do artista cubano radicado em Los Angeles Jorge Pardo, que teve seu trabalho pichado na Bienal Internacional de São Paulo, logo na abertura do megaevento, no domingo.
A palavra "não" foi escrita, em letras negras, em uma das paredes internas da obra -uma espécie de cabana feita de compensado de madeira.
Em entrevista concedida à Folha, por telefone, de Los Angeles, Pardo não demonstrou qualquer descontentamento em relação ao ataque. O artista, que por azar já teve outra obra pichada na cidade de Munster, na Alemanha, em 1997, também não culpa a organização da Bienal pelo incidente. Para ele, o que aconteceu no domingo é inevitável em um evento do porte da exposição.
 

Folha - O que você achou de ter sua obra pichada na Bienal de São Paulo?
Jorge Pardo -
Acho legal e acho estranho. Se alguém faz alguma coisa no seu trabalho, isso é positivo, para mim, porque escolheram a minha peça entre as expostas. Quem fez isso deve discordar de alguma coisa na obra. Pode ser outro artista fazendo sua própria obra dentro da minha. Pode ser só uma brincadeira.

Folha - Você consideraria isso um trabalho artístico?
Pardo -
Acho que outro artista deixaria seu nome assinado, principalmente. Enfim, não sei avaliar direito, porque não conheço bem o público brasileiro. Se isso acontecesse em Nova York, saberia avaliar melhor.

Folha - Você já sentiu vontade de pichar a obra de algum artista?
Pardo -
Não. Nunca. Eu não gosto de usar grafite. Acho que grafite é só para quem quer brincar.

Folha - O incidente pode elevar o preço da sua obra?
Pardo -
Não sei. Talvez se for considerada melhor do que o meu trabalho.

Folha - Já haviam pichado alguma obra sua antes?
Pardo -
Já picharam, uma vez. Foi na Alemanha, em uma obra que eu fiz para o "Munster Sculpture Project", um píer de madeira em um lago. Fizeram um cartoon no trabalho. Mas eu não fiquei bravo. Não fico bravo com isso.

Folha - Você culpa a organização da Bienal pelo que ocorreu?
Pardo -
Não culpo ninguém. É muito normal isso acontecer num evento grande e tão público como esse. É difícil evitar esse tipo de incidente. E pichar a obra de alguém também não é tão incomum. Já é tradicional.

Folha - Você deixaria a pichação lá, como ela está, ou prefere que ela seja removida?
Pardo -
Prefiro que removam. Da mesma forma que eu faço aqui no meu estúdio, em Los Angeles. Eu trabalho num desses lugares rudes da cidade. Às vezes picham a parede do meu estúdio e eu vou lá e removo. É muito simples.

Folha - Você vê algum sentido na palavra "não" dentro do seu trabalho?
Pardo -
Tem muitos sentidos. Acho que o autor pode estar dizendo "não, isso não é um trabalho"; ou "não, eu não acredito nesse trabalho"; ou "não, eu não entendi esse trabalho"; ou mesmo "não, eu tive um mau dia hoje".

Folha - A organização da Bienal acha que essa pichação pode abrir precedentes. Qual sua opinião sobre o assunto?
Pardo -
Acho que as pessoas são livres e todo mundo tem o direito de se expressar da forma que quiser. Eu não sou um moralista. Moralismo é para quem freqüenta igrejas. Não estou dizendo que eu, Jorge Pardo, faria isso. Eu não faria. Mas se fizeram é porque alguma coisa tinham a dizer.


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