Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES PLÁSTICAS
Jorge Pardo, que teve um "não" escrito em seu trabalho na Bienal, afirma que o fato não o incomodou
Artista diz que ter obra pichada é "positivo"
GUSTAVO FIORATTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A pichação de uma obra de arte
pode surgir tanto de uma brincadeira como de uma manifestação
artística, na opinião do artista cubano radicado em Los Angeles
Jorge Pardo, que teve seu trabalho
pichado na Bienal Internacional
de São Paulo, logo na abertura do
megaevento, no domingo.
A palavra "não" foi escrita, em
letras negras, em uma das paredes
internas da obra -uma espécie
de cabana feita de compensado de
madeira.
Em entrevista concedida à Folha, por telefone, de Los Angeles,
Pardo não demonstrou qualquer
descontentamento em relação ao
ataque. O artista, que por azar já
teve outra obra pichada na cidade
de Munster, na Alemanha, em
1997, também não culpa a organização da Bienal pelo incidente.
Para ele, o que aconteceu no domingo é inevitável em um evento
do porte da exposição.
Folha - O que você achou de ter
sua obra pichada na Bienal de São
Paulo?
Jorge Pardo - Acho legal e acho
estranho. Se alguém faz alguma
coisa no seu trabalho, isso é positivo, para mim, porque escolheram a minha peça entre as expostas. Quem fez isso deve discordar
de alguma coisa na obra. Pode ser
outro artista fazendo sua própria
obra dentro da minha. Pode ser só
uma brincadeira.
Folha - Você consideraria isso um
trabalho artístico?
Pardo - Acho que outro artista
deixaria seu nome assinado, principalmente. Enfim, não sei avaliar
direito, porque não conheço bem
o público brasileiro. Se isso acontecesse em Nova York, saberia
avaliar melhor.
Folha - Você já sentiu vontade de
pichar a obra de algum artista?
Pardo - Não. Nunca. Eu não gosto de usar grafite. Acho que grafite
é só para quem quer brincar.
Folha - O incidente pode elevar o
preço da sua obra?
Pardo - Não sei. Talvez se for
considerada melhor do que o
meu trabalho.
Folha - Já haviam pichado alguma obra sua antes?
Pardo - Já picharam, uma vez.
Foi na Alemanha, em uma obra
que eu fiz para o "Munster Sculpture Project", um píer de madeira
em um lago. Fizeram um cartoon
no trabalho. Mas eu não fiquei
bravo. Não fico bravo com isso.
Folha - Você culpa a organização
da Bienal pelo que ocorreu?
Pardo - Não culpo ninguém. É
muito normal isso acontecer num
evento grande e tão público como
esse. É difícil evitar esse tipo de incidente. E pichar a obra de alguém
também não é tão incomum. Já é
tradicional.
Folha - Você deixaria a pichação
lá, como ela está, ou prefere que
ela seja removida?
Pardo - Prefiro que removam.
Da mesma forma que eu faço aqui
no meu estúdio, em Los Angeles.
Eu trabalho num desses lugares
rudes da cidade. Às vezes picham
a parede do meu estúdio e eu vou
lá e removo. É muito simples.
Folha - Você vê algum sentido na
palavra "não" dentro do seu trabalho?
Pardo - Tem muitos sentidos.
Acho que o autor pode estar dizendo "não, isso não é um trabalho"; ou "não, eu não acredito
nesse trabalho"; ou "não, eu não
entendi esse trabalho"; ou mesmo
"não, eu tive um mau dia hoje".
Folha - A organização da Bienal
acha que essa pichação pode abrir
precedentes. Qual sua opinião sobre o assunto?
Pardo - Acho que as pessoas são
livres e todo mundo tem o direito
de se expressar da forma que quiser. Eu não sou um moralista.
Moralismo é para quem freqüenta igrejas. Não estou dizendo que
eu, Jorge Pardo, faria isso. Eu não
faria. Mas se fizeram é porque alguma coisa tinham a dizer.
Texto Anterior: Artes visuais: Com exotismo e críticas, Caci abre as portas em MG Próximo Texto: Festival do Rio: Alemão filma Olga sem lágrimas Índice
|