São Paulo, terça, 29 de setembro de 1998

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MEMÓRIA/JAZZ
Carter formou nova geração

Associated Press
A cantora de jazz Betty carter, em show de 1978, em Nova York


CARLOS CALADO
especial para a Folha

O jazz perdeu sua vocalista mais radical. Morta no último sábado, aos 68 anos, vítima de câncer no pâncreas, a cantora norte-americana Betty Carter deixou muito mais que uma brilhante discografia: sua trajetória é um exemplo de integridade artística.
"Eu nunca me prostitui e realmente me orgulho disso." Essa declaração, concedida ao escritor e baterista Art Taylor, continuou valendo até os últimos dias da cantora. No universo comprometido do "showbiz", raros são os artistas que podem fazer afirmações como essa.
De todos os grandes intérpretes do gênero, Betty foi a mais radical. Nenhum vocalista de jazz rejeitou com tanta firmeza e resolução as concessões comerciais.
Obviamente, ela pagou um preço alto por essa atitude. Desiludida, chegou a abandonar a carreira, em meados dos anos 60, para cuidar dos filhos. E, de fato, só veio a ser reconhecida na década de 80.
Improvisadora radical, jamais aceitou a posição comodista de interpretar uma canção da mesma forma. Era capaz de improvisar um tema como "Movin On" durante 25 minutos, sem repetir o "chorus".
Graças a essa atitude, Betty sempre foi a menos popular das grandes vozes do jazz. Até fãs do gênero assustavam-se ao ouvi-la demolir as melodias de canções populares, como "The Man I Love" (dos irmãos Gershwin) ou "My Favorite Things" (de Rodgers & Hammerstein), até transformá-las em novas composições.
No fundo, encarava a música da mesma forma que um Charlie Parker ou um Dizzy Gillespie, músicos-compositores que a introduziram nas inovações rítmico-harmônicas do "bebop", em meados dos anos 40.
A exemplo de outros "beboppers", como Miles Davis ou Art Blakey, Betty Carter acabou transformando suas bandas em verdadeiras escolas de jazz. Dezenas de músicos jovens, como os pianistas Benny Green, Cyrus Chestnut e Jacky Terrasson, saíram das bandas de miss Carter prontos para comandarem seus grupos.
Talvez seja essa a razão porque, em vez de deixar seguidoras de seu estilo vocal, o legado de Betty está nas gerações de instrumentistas que fizeram o jazz sobreviver aos duros anos 70 até voltar revigorado, nos 80. No fundo, Betty Carter jamais quis ser uma vocalista, mas sim um instrumento do jazz.



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