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ERIKA PALOMINO
POR QUE NÃO GOSTEI DE "FASHION PASSION"
Talvez o principal motivo de
eu não ter gostado da mostra
"Fashion Passion", a exposição
que pretende contar cem anos
de moda na Oca, anunciada
como a maior mostra do gênero já feita no Brasil, tenha sido
exatamente o tratamento dado
ao Brasil. Mas, antes de chegar
nisso, é preciso abordar alguns
aspectos. O primeiro deles é
que a exposição tem muitos
méritos. Muitos mesmo. O
Brasil está começando a consolidar sua cultura fashion. De
dez anos para cá, a moda tem
despertado um crescente interesse no grande público e na
mídia -daí o excelente timing
de fazer uma mostra realmente
abrangente, que possa não
apenas trazer peças e fotos históricas, mas exibir roupas novas, de desfiles recentes e de estilistas em ascensão -e não
apenas os medalhões, os mais
famosos.
"Fashion Passion" consegue
isso. Só que, justamente por estarmos começando a educação
do país sobre moda, é preciso
bem mais atenção em relação a
quem está chegando agora, às
novas gerações (e novos consumidores). O prédio foi dividido em dez pavilhões, em que
os estilistas são agrupados por
afinidades. A solução é inteligente e inspiradora. Entretanto
esse modelo só funcionaria caso houvesse biografias dos 26
criadores internacionais e se os
textos de aberturas das salas
não fossem tão rebuscados e
pretensamente eruditos.
Na primeira grande mostra
sobre moda no Brasil, então,
custava ser didático e simples?
MOSTRA INCORRE EM ERROS HISTÓRICOS
"Poiret está vivo?", perguntou
um adolescente que via a exposição "Fashion Passion" na última terça-feira. A dúvida se deu
logo no primeiro pavilhão,
quando o estilista dos anos 20
aparece ao lado de Galliano e
Lacroix. Sem mais explicações,
a mostra toda vira um grande
passeio no shopping, em que
você vai olhando tudo, achando
bonito, mas sem parar muito
em nada.
Afinal, não dá para saber qual a
diferença entre prêt-à-porter e
alta-costura (a maioria das peças da mostra é deste segmento); se Junya Watanabe é homem ou mulher; se Gabrielle e
Coco Chanel são a mesma pessoa; o que é um caban ou o que
é raglan; o que seria o "espírito
suéter"; se Saint Laurent ainda
está na ativa; quem seria exatamente Fanny Feigenson; se é
mesmo a Björk na foto de Nick
Knight na sala do McQueen;
por que é rosa a sala de Schiaparelli; de quando são os quatro
looks de Vivienne Westwood
perdidos ali antes do Gaultier
-e a Vivienne não era aquela
do punk? E uma certa Marianne
na foto de Viktor & Rolf seria a
brasileira Mariana Weickert?
"A panóplia desses latinos exuberantes, que falam com as
mãos, tão à vontade em seus sapatos cromados quanto em
suas roupas esportivas, negligentemente enrodilhadas à volta do pescoço", "explica" o texto sobre Versace e Pucci, exemplo das patavinas retóricas que
infestam as paredes da Oca.
Há erros de informação e datas
em vídeos e nas (quase sempre)
toscas legendas. O incrível vídeo da coleção azul da dupla
holandesa Viktor & Rolf ganha
registro de 1999, quando aconteceu em 9 de março de 2002. A
imagem clássica de Chanel por
Man Ray, segundo a legenda,
foi feita em 2004. E os sensacionais vídeos da Comme des Garçons são creditados como de
Martin Margiela.
VESTIDOS IMPORTANTES PASSAM BATIDO
Há vestidos lindíssimos que
adorei ver na "Fashion Passion". Entre eles, o multicolorido vestido de McQueen do verão 2003 -para mim, o mais
bonito da mostra. Adoro também o pink da Comme des Garçons. E achei muito importantes as salas dedicadas aos prodígios Nicolas Ghesquiere e Olivier Theyskens. Infelizmente
para o público, não fica muito
explicado o trabalho deles de
renovação à frente das maisons
Balenciaga e Rochas, o que é pena, pois são fundamentais as
roupas e imagens dos dois. O
vestido preto do inverno 2004,
coleção que consagrou Olivier
Theyskens na Rochas, está creditado errado (a legenda diz
que é dele, e não para a Rochas).
Por fim, ficam também completamente perdidos os vestidos de
celebridades como Evita e Marlene Dietrich. Nada acrescentam e confundem o visitante.
TOP GAFES
Saint Laurent, coitado, ganhou
uma sala pífia, que não corresponde à sua importância na
moda. E o que se consagra como a maior gafe de todas: a peça
que se firmou como a imagem
oficial do new look de Christian
Dior, que mudou a história da
moda em 1947, mereceu em
"Fashion Passion" somente a
explicação: "Chapéu de Palha".
Melhor seguir um dos simpáticos e esforçados monitores para
tentar entender alguma coisa.
MODA BRASILEIRA DO CRIOULO DOIDO
"Fashion Passion" parece ter
vergonha da moda brasileira. Se
não por isso, como explicar a
"opção" de não mostrar roupas, mas "aspectos da cultura
brasileira como respostas aos
temas propostos em cada pavilhão"? Roupa a gente tem. Em
vez disso, as escolhas mostradas
servem para reforçar o complexo de inferioridade, a baixa auto-estima e a síndrome de colonização, que a atual moda brasileira quer rechaçar e, a partir
daí, construir nova identidade.
Se não por isso, por que responder à genial sobreposição de
Yohji Yamamoto, Comme des
Garçons e Margiela com uma
foto de uma... favela? Por que
responder com dois anjos barrocos malquebrados a sofisticada construção de Mugler, Charles James e Ghesquiere? Não
poderia ser Alexandre Herchcovitch? A resposta ao exotismo
de Lacroix e Galliano é o manto
bordado a mão de Arthur Bispo
do Rosário. Não poderia ser Lino Villaventura? Por que responder ao "mistério do vestido
Cinderela", que reúne Dior e
Olivier Theyskens, com a sombria obra de Carmela Gross?
Não poderia ser Conrado Segreto? E a resposta a Alaïa e
Vionnet ("Ode ao Corpo") não
poderia ser Walter Rodrigues?
A mostra responde Chanel com
três exemplos de penduricalhos
no pescoço, retrocedendo até
para uma escrava baiana (?!).
Chanel não tem mesmo resposta. Nem aqui nem na China.
Ícones são assim.
O Brasil poderia ter ficado só
com um pavilhão, mas menos
estereotipado. Aqui, faltou carinho, faltou respeito. Nas roupas, muitos clichês -de futebol, sexo e verde-amarelo. "Vai
daí que nosso "visú" é energético
e cheio de truques", justifica o
texto da mostra. Nesse deprimente samba do crioulo doido,
faltou só um garçom passando
caipirinha (o Brazilian drinque).
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