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"BLOOD AND BONES"
Japonês cultiva o mistério do homem
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os mitos são antes de tudo humanos. E um humano é um
mundo à parte. Ainda que seja
um épico, "Blood and Bones", de
Yoichi Sai, fala de um homem,
mito e demônio para os que o cercaram. Em "off", quem nos conduz é Masao, filho de Kim (Takeshi Kitano), imigrante coreano que
chega ao Japão em 1923.
Negociante pragmático, Kim
constrói uma fábrica de alimentos
e uma fortuna. Mas se trata de um
maldito, e é o rancor o tom do relato: sabemos que Kim destroçou
a vida de todos, incluindo mulher,
amantes e filhos, dominados pela
brutalidade de um homem, ou
animal, quase invencível.
E haveria encanto em um filme
em que o personagem central é isso? Talvez: quanto mais odioso,
mais interessante Kim se torna. O
que nos assombra no começo é
um sentimento de perplexidade e
raiva, motivado pela propensão
de Kim à crueldade. Não o queremos bem. Mas, na medida em que
a história anda, o que passa a nos
assombrar é uma interrogação.
Por que Kim é assim?
Nesse sentido, age brilhantemente a linguagem épica aplicada
por Sai. O épico é um filme que
promove uma idéia de consciência esclarecedora: câmeras aéreas
mapeiam o que está embaixo. Outras deslizam elegantes e reveladoras. O enquadramento é desenhado para posicionar na tela
uma porção de elementos, que
nos darão uma fotografia profunda do esplendor e da dor monumental de um homem importante. É um gênero cuja natureza é,
portanto, de desvendamento.
Mas este é um filme sobre uma interrogação. Ela é o motor das cenas e também nosso caminho.
Embora a saga costure um panorama de transformações culturais e econômicas asiáticas ao longo do século 20, da Coréia comunista à Yakuza moderna, Sai parece manusear o drama épico para
nos lembrar que é impossível dissolver a interrogação sobre a natureza de um homem.
Nesse sentido, explora com vigor a figura de Kitano, e ela diz tudo o que precisamos. Sabemos o
que ele expressa e faz, mas não o
que carrega por dentro. Estupros
conjugais e pancadarias domésticas caminham para um registro
de filmagem hipnótico, em seqüências alucinadamente intermináveis e orquestradas. Muito
para evidenciar a simbiose dessa
"máquina", Kim, com a violência.
No final, Kitano ganha uma maquiagem de aparência carcomida,
a máscara que denuncia o definhamento de Kim. É uma plástica
tão artificial que somos levados a
perguntar onde está Kitano debaixo dela. Um humano, mesmo
o mais animalesco, é um mundo à
parte. E o que está visível, mesmo
perverso e vago, é fascinante.
Blood and Bones
Direção: Yoichi Sai
Quando: hoje, às 20h30, no Reserva
Cultural; amanhã, às 20h50, no
Cineclube Vitrine; e dia 2, às 19h20, no
Cineclube Vitrine
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