São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2001

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"AQUILAE TITICANS"

Romance faz sátira da aventura

MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Conforme sugere seu título tripartido, o romance de estréia de Hélio Schwartsman, editorialista da Folha, jornalista de profissão e filósofo de formação, se desdobra em três possíveis vias narrativas: a erudita ou ilustrativa, a épica ou aventurosa e a subversiva ou satírica, baseada no franco desejo de avacalhar com tudo isso.
"Aquilae Titicans", ou ainda "O Segredo de Avicena", ou, se preferirmos, "Uma Aventura no Afeganistão", conta a história de um bando de cientistas e professores contratados por um misterioso empresário chamado A. Sua missão: escarafunchar entre o Afeganistão e o Paquistão em busca de uma biblioteca perdida.
Logo descobrem, porém, que o verdadeiro objetivo da expedição é uma revelação contida num manuscrito do médico e filósofo persa Avicena: um segredo que pode render fantástica fortuna a seu descobridor. Daí os percalços vividos por nossos heróis, que se vêem na mira da máfia russa e até de partidários do Taleban.
Apesar do que possa parecer, "Aquilae Titicans" não é uma obra de ocasião. Schwartsman a concluiu em 1999, bem antes do conflito no Afeganistão.
Além disso, Schwartsman nos oferece um Afeganistão com os pés fincados no passado, anterior às fronteiras geográficas contemporâneas, e, portanto, maior e mais impreciso. Numa região que engloba também parte do Paquistão, forma-se uma amálgama de povos, línguas e culturas diferentes, que foi porta de passagem para o intercâmbio entre o Ocidente e o Oriente. Nesse tecido quase-mítico, o autor lança suas referências eruditas, que devem deliciar os fãs de Umberto Eco, especialmente de "O Nome da Rosa".
Mas a erudição não é o fulcro da narrativa: é o molho que tempera a trama essencialmente épica. "Aquilae Titicans" é, nesse ponto, aventura no melhor estilo de Robert Louis Stevenson, de Rider Haggard, de Edgar Rice Burroughs. A história se move numa sucessão de peripécias e reviravoltas, prendendo o leitor numa sequência acelerada de eventos.
Se, por isso, o romance de Schwartsman merece atenção, há um outro elemento que, insinuando-se sorrateiro, perturba nosso esquema tão ordenado. Afinal, em que romance de Haggard ou de seus sucedâneos teríamos cenas de estupro coletivo ou de uma personagem que se contamina com Aids?
Era como se tivéssemos um herói tuberculoso em "As Minas do Rei Salomão". Isso é mistura de gêneros. É "A Ilha do Tesouro" com "A Dama das Camélias", e talvez mais.
O que dizer, então, de certas alusões doutas, a começar pelo próprio título do romance? "Aquilae titicans" é "b... de águia". "Excremento", para usarmos um termo menos vulgar. No final, qual é a obra mais importante da biblioteca? "O Quinto Evangelho: a Vida de Jesus de Nazaré Escrita por Ele Mesmo e Comentada por Sua Mãe, Maria". Puro escracho.
Como num tríptico pictórico, cujo significado total se dá pela síntese das partes, na prática é impossível separar erudição, aventura e sátira menipéia no romance de Schwartsman.
Mesmo assim, podemos supor que é justamente neste último aspecto, nessa busca pela subversão, causa da mistura de gêneros, da estranheza e do riso, que a obra ganha em originalidade e a voz do autor se deixa ouvir com maior clareza.


Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão    
Autor: Hélio Schwartsman
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 29,90 (376 págs.)




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