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"AQUILAE TITICANS"
Romance faz sátira da aventura
MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Conforme sugere seu título
tripartido, o romance de estréia de Hélio Schwartsman, editorialista da Folha, jornalista de
profissão e filósofo de formação,
se desdobra em três possíveis vias
narrativas: a erudita ou ilustrativa, a épica ou aventurosa e a subversiva ou satírica, baseada no
franco desejo de avacalhar com
tudo isso.
"Aquilae Titicans", ou ainda "O
Segredo de Avicena", ou, se preferirmos, "Uma Aventura no Afeganistão", conta a história de um
bando de cientistas e professores
contratados por um misterioso
empresário chamado A. Sua missão: escarafunchar entre o Afeganistão e o Paquistão em busca de
uma biblioteca perdida.
Logo descobrem, porém, que o
verdadeiro objetivo da expedição
é uma revelação contida num manuscrito do médico e filósofo persa Avicena: um segredo que pode
render fantástica fortuna a seu
descobridor. Daí os percalços vividos por nossos heróis, que se
vêem na mira da máfia russa e até
de partidários do Taleban.
Apesar do que possa parecer,
"Aquilae Titicans" não é uma
obra de ocasião. Schwartsman a
concluiu em 1999, bem antes do
conflito no Afeganistão.
Além disso, Schwartsman nos
oferece um Afeganistão com os
pés fincados no passado, anterior
às fronteiras geográficas contemporâneas, e, portanto, maior e
mais impreciso. Numa região que
engloba também parte do Paquistão, forma-se uma amálgama de
povos, línguas e culturas diferentes, que foi porta de passagem para o intercâmbio entre o Ocidente
e o Oriente. Nesse tecido quase-mítico, o autor lança suas referências eruditas, que devem deliciar
os fãs de Umberto Eco, especialmente de "O Nome da Rosa".
Mas a erudição não é o fulcro da
narrativa: é o molho que tempera
a trama essencialmente épica.
"Aquilae Titicans" é, nesse ponto,
aventura no melhor estilo de Robert Louis Stevenson, de Rider
Haggard, de Edgar Rice Burroughs. A história se move numa
sucessão de peripécias e reviravoltas, prendendo o leitor numa
sequência acelerada de eventos.
Se, por isso, o romance de
Schwartsman merece atenção, há
um outro elemento que, insinuando-se sorrateiro, perturba
nosso esquema tão ordenado.
Afinal, em que romance de Haggard ou de seus sucedâneos teríamos cenas de estupro coletivo ou
de uma personagem que se contamina com Aids?
Era como se tivéssemos um herói tuberculoso em "As Minas do
Rei Salomão". Isso é mistura de
gêneros. É "A Ilha do Tesouro"
com "A Dama das Camélias", e
talvez mais.
O que dizer, então, de certas alusões doutas, a começar pelo próprio título do romance? "Aquilae
titicans" é "b... de águia". "Excremento", para usarmos um termo
menos vulgar. No final, qual é a
obra mais importante da biblioteca? "O Quinto Evangelho: a Vida
de Jesus de Nazaré Escrita por Ele
Mesmo e Comentada por Sua
Mãe, Maria". Puro escracho.
Como num tríptico pictórico,
cujo significado total se dá pela
síntese das partes, na prática é impossível separar erudição, aventura e sátira menipéia no romance
de Schwartsman.
Mesmo assim, podemos supor
que é justamente neste último aspecto, nessa busca pela subversão, causa da mistura de gêneros,
da estranheza e do riso, que a obra
ganha em originalidade e a voz do
autor se deixa ouvir com maior
clareza.
Aquilae Titicans - O Segredo de
Avicena - Uma Aventura no
Afeganistão
Autor: Hélio Schwartsman
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 29,90 (376 págs.)
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