São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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Intensivo de interpretação prepara ator em 24 horas

ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quanto tempo leva um aspirante a ator para se tornar ator de fato? A Folha testou um dos métodos mais rápidos ofertados em São Paulo: um intensivão de seis dias, sendo "24 horas de trabalho focado na arte da interpretação" com o diretor e preparador de atores Beto Silveira, 54.
Durante quatro horas a reportagem da Folha esteve com 17 pessoas que se entregaram (quase) por completo ao mundo da interpretação. No elenco, uma garota de 12 anos com cara e jeito de modelo, uma atriz profissional, uma empresária na faixa dos 40 e outras pessoas que estavam ali para aprender técnicas de teatro, para se "conhecer melhor" e, principalmente, para "investir" em si. Ninguém sabia, antes do fim da sessão, que estava sendo observado por uma repórter.
O método de Silveira é baseado na imaginação profunda. O professor acredita que ao estimulá-la, "o aluno desenvolve o auto-conhecimento, pode tirar as máscaras sociais que veste todos os dias e conhecer seu verdadeiro "eu" para interpretar outras personalidades que traz dentro de si".
O curso começa com a apresentação de alguns alunos ansiosos, seguida por um discurso sobre sonhos. Silveira, o professor, começou a falar sobre como cada pessoa é diferente quando está em seu quarto e como tem medo de se expor fora dele. Os alunos, então, tiveram de criar e interpretar uma cena que abordasse o assunto. Saíram desde sessões de terapia até discussões de família.
O próximo exercício era mais constrangedor para os não-atores. Tinham de "fingir" que procuravam um anel mágico embaixo de um móvel e que corriam o risco de serem atacados por aranhas ferozes.
Depois da aranha e de um pouco de alongamento, os alunos aprenderam sobre os "planos do corpo" -baixo, médio, alto e superalto. Foram instruídos a fazer movimentos ora encolhidos, ora esticados, e a fazer caretas.
O próximo exercício foi "encaixar" e aconteceu em duplas. Enquanto uma pessoa parava em uma posição qualquer, o par tinha de preencher os espaços vazios com seu corpo.
Esses exercícios serviram de preparação para voltar à cena da aranha que, desta vez, foi interpretada com mais "intensidade".

Imersão
"Imagine uma floresta. Você está entrando nesta floresta. Anda por ela até chegar a uma linda clareira. É pôr-do-sol, e o céu tem cor de "cenoura alegre" e violeta. Você está emocionado com a beleza do local e com o momento que vive. Até que encontra uma túnica medieval. Você a veste e nota que, em seus bolsos, há quatro gravetos, que devem ser queimados, e quatro sementes, que devem ser plantadas. Cada graveto representa algo de ruim e cada semente algo que falta em sua vida."
Essas eram as instruções de Silveira para o último exercício do dia, considerado pela maioria dos alunos o mais emocionante. Assim como nos outros, a base era a imaginação. A diferença era que os alunos teriam de depositar experiências pessoais em cada elemento da história.
Seguindo o roteiro, de olhos fechados e "sentindo" cada momento da atividade, os alunos começaram a interpretar, e cerca de 30 minutos mais tarde a concluíram, muitos às lágrimas. Flaviana de Pádua, 22, a única atriz profissional no curso, foi uma das que se emocionaram. "Eu não senti dificuldade em queimar os gravetos, mas em plantar coisas que preciso e que demoro a aceitar. Eu não fiquei triste, mas aliviada. Foi uma sensação boa", contou.
Já a restaurateur Simone Rossini, 43, que fez o curso como uma espécie de "terapia", gostou das atividades, mas não entrou no clima. "Os atores são mais sensíveis, vão fundo no sentimento, e, para mim, aquilo não é bem assim. Eu respeito, mas não tive vontade de derramar uma lágrima sequer. Eu não levei a sério a ponto de sentir", afirma Rossini, que confessou ter ficado constrangida em alguns momentos.
No final do primeiro dia, o saldo foi positivo. Pelo menos a metade do grupo garantiu que gostou do método baseado em imaginação. A estudante do curso de artes do corpo da PUC-SP, Natália Fagnani, 19, acredita que com o uso da memória afetiva passa a ter controle sobre suas emoções. "Fica mais fácil entrar e sair do personagem. A gente tem que treinar a imaginação para segurar a onda quando estamos em cena", disse.
O próprio professor, no entanto, adverte: 24 horas não são o suficiente para se tornar um ator completo. "Serve mais como auto-conhecimento para depois a pessoa se aprofundar no teatro fazendo cursos, estudando sempre. Nunca um ator está formado totalmente", disse Silveira, que, em quase 35 anos de carreira, já preparou atores como Ana Paula Arósio, Fábio Assunção, Débora Evelyn e Débora Secco, sempre utilizando o método de imaginação, de auto-conhecimento e de desenvolvimento humano.

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