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CRÍTICA
Um mundo de nadas bem empacotados
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Às vezes, talvez fosse o caso
de parar de besteira e esquecer esse negócio de dramaturgia,
jornalismo, pedagogia, cultura,
arte, qualidade, inteligência e
partir para a ignorância. Aliás,
partir não; permanecer seria um
verbo mais exato. Ou ainda mergulhar, imergir, aprofundar,
num segundo estágio. Onde? Na
burrice, na estupidez, na cretinice, na irrelevância.
Deixar para trás qualquer idéia
de que a TV, desligada, sirva para
algo mais do que para esquecer a
conta de luz, e, ligada, para algum propósito diferente do que
vender produtos. Enfiar a cara na
evidência de que a TV é mesmo
emburrecedora, alienante, máquina de fazer doidos, ópio do
povo -e, como móvel, estorvo.
Um mundo em que a TV fosse
desinvestida de qualquer expectativa, menos da publicitária, seria um mundo mais apaziguado
num certo sentido. Seria mais
simples descartar a TV se ela fosse totalmente descarnada, reduzida a seu esqueleto de ferramenta de convencimento, de lavagem
cerebral para o consumo mais
porco. Mas não, a gente fica
achando que a TV pode ser divertida, emocionante, didática,
informativa, que ela pode ser um
meio em que o melhor das realizações humanas seja mostrado,
que ela deve ser xis ou ípsilon.
E dá, quase que sempre, com os
burros n'água. Até que, zapeando, pára diante do E! - Entertainment Television. E lá estaciona
por alguns minutos. Dez. Depois
20, 60. Ultrapassada a barreira da
uma hora, as outras escoam como manteiga derretida. E lá se
vai uma noite inteira diante do
canal mais sem-vergonha da TV
mundial (com algum exagero retórico), embalado pelo nada absoluto (sem muito exagero).
Porque, se não realiza totalmente essa distopia da TV sem
máscaras, o E! chega muito, mas
muito mesmo, perto disso.
O E! entende, como poucos,
que ver TV é pura voragem de
tempo, voracidade de consumo
de imagens -e quanto mais
anódinas, melhor. Para quem
não conhece, é um canal dedicado às celebridades -do cinema,
TV, mundo do "entertainment"
e limbo produtor de celebridades; dos EUA, claro, mas também da América Latina- e, com
um acerto de gênio, as exibe em
várias circunstâncias, empacota
suas aparições em programas diferentes, extrai de suas vidas o
máximo de fofocas e é isso.
Os que fazem o E! entendem
como poucos o desejo de abandono, de obnubilação que acomete o espectador. Medem com
precisão o mínimo de informação e emoção que uma imagem
deve ter para poder atrair e manter o olhar -e, se isso é o que eles
querem, é isso que terão. Particularmente habilidosos eles são em
dar para esse supra-sumo da vacuidade um ar de credibilidade:
seus programas vivem lotados de
jornalistas, especialistas, subcelebridades que dão, muito compenetrados, depoimentos sobre o
cabelo de não-sei-quem ou o divórcio de não-sei-que outro.
E, por fim, reinam, absolutos,
num mundo feito de nadas cuidadosamente embalados.
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