São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 1999

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CRÍTICA
Biógrafo assassina trama original de Agatha Christie

da Redação

Para aqueles que estavam órfãos dos crimes cometidos por assassinos inteligentes e solucionados com método e organização, a editora Record está lançando dois títulos semi-inéditos da escritora inglesa Agatha Christie (1890-1976).
São eles o romance "Café Preto" -que traz uma aventura estrelada pelo detetive belga Hercule Poirot- e a coletânea de contos "Enquanto Houver Luz".
Baseado na peça teatral homônima escrita por Christie em 1930, "Café Preto" traz na contracapa o nome do principal assassino: Charles Osborne, biógrafo que, insatisfeito em contar a vida de Christie, resolveu mostrar que poderia simular o estilo da escritora.
Ele pegou o texto original da peça e redigiu as "ligas" necessárias para que a obra ganhasse corpo de romance. Seu único mérito na empreitada foi ter composto uma narrativa fluida, mas isso é mais decorrência da trama original.
Corria o ano de 1934. Poirot recebe o chamado de um cientista temeroso de que uma fórmula seja roubada. Quando chega à casa do cientista, Poirot o encontra morto. Entre os suspeitos, há parentes, um secretário particular, um médico italiano e um mordomo.
A trama traz alguns elementos caros à prosa da escritora. Estão ali a atmosfera enclausurada -tudo se passa basicamente na sala de uma casa de campo inglesa-, os personagens com segredos inconfessáveis, a valorização do mais ínfimo dos detalhes.
O problema é o estilo que Osborne usou para juntar tudo isso.
Assim como a escritora, o biógrafo aproveita toda e qualquer oportunidade para exercitar a arte de despistar por meio da dissimulação. Mas há uma diferença: enquanto Christie fazia isso com sutileza, Osborne redireciona a atenção do leitor a patadas.
Chega perto do ofensivo o jeito com que Osborne distribui evidências e pistas ao longo da narrativa. Tudo ganha uma aura de armadilha gratuita a ser evitada por quem pretende elucidar o mistério antes de Poirot -passatempo predileto dos leitores de Christie.
Outro ingrediente que incomoda são os diálogos. De tão rasteiros e primários, nem parecem saídos da boca de um detetive perspicaz como Poirot ou de um cientista que acabou de descobrir a fórmula para bombardear o átomo.
A coisa melhora bastante na coletânea de contos "Enquanto Houver Luz", a saída ideal para aqueles que, desde 1976, esperam algo novo da escritora.
Lançada na Inglaterra em 1997, a compilação traz, em doses homeopáticas, o talento que Christie tinha para segurar o leitor pela gola da camisa e conduzi-lo até a página final de seus livros.
Publicados em revistas, os textos contam casos de mistério, suspense e crimes. No conto que dá nome à coletânea, a escritora experimenta uma bem-sucedida visita ao universo do sobrenatural.
E essa não é a única curiosidade disponível no livro. Ele traz "A Casa dos Sonhos", primeiro conto de Christie, no qual apresenta em estado bruto tendências estilísticas que viria a desenvolver depois.
Fãs de Hercule Poirot encontram dois contos protagonizados pelo detetive: "Aventura Natalina" e "O Mistério do Baú de Bagdá". (EF)
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Livros: Enquanto Houver Luz e Café Preto (peça adaptada por Charles Osborne)
Autora: Agatha Christie
Lançamento: Record
Quanto: R$ 16, cada (187 e 175 págs., respectivamente)




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