São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA
Debate realizado na Folha reuniu Márcio Souza e Ruy Castro
Autores destacam afinidades entre romance e reportagem

BRUNO GARCEZ
da Reportagem Local


O escritor e presidente da Funarte, Márcio Souza, e o jornalista e escritor Ruy Castro participaram, na última quinta-feira, do debate "Romance x Reportagem", realizado na Folha e promovido pelo jornal juntamente com a Câmara Brasileira do Livro.
O debate foi o primeiro do ciclo "Conversas de Salão", um dos eventos que antecedem o 1º Salão Internacional do Livro de São Paulo, a ser realizado em abril.
Coube a Márcio Souza, autor de obras como "Galvez, Imperador do Acre", "Mad Maria" e "A Ordem do Dia", falar sobre o romance. Ruy Castro, criador das biografias "O Anjo Pornográfico", de Nelson Rodrigues, e "Estrela Solitária", de Mané Garrincha, dissertou sobre a reportagem. A mediação foi feita por Sylvia Colombo, editora-assistente da Ilustrada.
A discussão acabou trazendo à tona as afinidades existentes entre a reportagem e o ato de criação literária. Para Ruy Castro, que é colaborador de "O Estado de S. Paulo", a prática da reportagem é importante não apenas para o biógrafo, mas também para o ficcionista.
"O mínimo de prática jornalística ou de interesse pela informação pode ajudar o ficcionista a escrever de forma mais clara e fluente", disse, referindo-se à apuração que o romance muitas vezes exige a fim de que se crie sua ambientação ou seu contexto de época.
Castro lembrou já ter feito uso de recursos literários em suas biografias, mas destacou que não houve prejuízo à informação.
O autor exemplificou com uma passagem de "O Anjo Pornográfico", que narra o assassinato de Roberto, irmão de Nelson Rodrigues.
"Não contei o episódio todo de uma vez. Fui jogando pequenas informações sobre o irmão de Nelson e sobre o jornal de seu pai, atrasando a narrativa e gerando grande expectativa no leitor."
No entender de Márcio Souza, ainda que o propósito final do romancista não seja a veracidade, o ideal é se ele "conseguir dosar sua narrativa com a realidade".
Segundo Souza, muitos escritores brasileiros têm dificuldade de conquistar o leitor "porque não se arriscam a escrever nada além do que as suas experiências lhes informam, justamente porque não querem enfrentar a pedreira da apuração e da pesquisa".
O terceiro romance do autor, "Mad Maria", conta a história da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, edificada no período do extrativismo da borracha, no início do século.
Devido à inexistência de um arquivo da Madeira-Mamoré, o romancista teve que estudar a medicina tropical da época, entrevistar médicos do período e levantar o relatório feito por Oswaldo Cruz sobre as condições de trabalho na estrada de ferro.
No entender de Márcio Souza, tal apuração não apenas assegura a verossimilhança do romance, mas traz um gratificação extra: "O leitor percebe esse esforço".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.