|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O HOMEM MAGRO"
O charme da literatura de Hammett
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
A bebedeira implacável, as
armas sem porte, as mocinhas aparentemente puras, as ressacas mortíferas, os pais canalhas,
os aproveitadores, os otários perseguidos pela polícia e os crimes
misteriosos, porém solúveis, estão de volta.
A editora Companhia das Letras tem republicado, com novas
traduções, obras de Dashiell
Hammett (1894-1961), o maior e
mais popular autor americano do
gênero policial. Agora, é a vez de
"O Homem Magro", o seu último
romance, publicado originalmente em 1934.
"Eu estava encostado no balcão
de um bar clandestino na rua 52...,
quando uma moça se levantou da
mesa onde estava sentada com
mais três pessoas e se aproximou
de mim. Era baixa e loura e, quer a
gente olhasse para o seu rosto ou
para o seu corpo, vestido com
uma roupa esporte azul-clara, o
efeito era satisfatório. "Você não é
Nick Charles?", perguntou."
É assim que o autor abre o seu
romance. Vai-se direto ao ponto,
apresenta-se o narrador no primeiro parágrafo. Os detalhes aparecem para ilustrar melhor o personagem, e não para enaltecer um
estilo semântico rebuscado.
O ambiente é o de um país mergulhado na recessão, sob o império da lei seca. Gente rica gasta
seus cobres restantes apostando e
enchendo a lata. Ética e moral estão no mesmo lixo. É uma gente
oportunista, que prefere seguir o
exemplo dos gângsteres.
Hammett, como o seu rival Raymond Chandler ("O Sono Profundo"), deu luz ao conceito do
detetive anti-herói. São pessoas
dúbias e cínicas.
Mas o autor de "O Falcão Maltês" era mais literato, estudou em
boas escolas e tinha como hobby a
filosofia. Hammett era da rua, foi
coveiro, motorista de ambulância
e trabalhou, sim, numa agência de
detetives.
Diferentemente de Chandler,
Hammett foi membro do Partido
Comunista nos anos 30 e pagou
um preço caro devido ao seu ativismo político: foi processado e
perseguido pelo macarthismo,
entrou para a lista negra, amargou meses na prisão e seus livros
foram retirados das bibliotecas.
Há referências de seu ativismo
em "O Homem Magro", quando
um personagem rico e beberrão
ironiza: "Quando vier a revolução, vamos ser todos postos contra o paredão, logo de saída."
A atmosfera de "O Homem Magro" é a de uma montanha russa.
A história se passa em Nova York,
em 1933. Nick Charles está de férias com sua esposa, Nora, num
hotel em que recebem amigos, bebem até cair e dormem à tarde.
Nick é um detetive aposentado,
que cuida da herança da mulher.
Muitos afirmam que o casal
narrado é, na verdade, o casal
Hammett e Lillian Hellman, poeta
rica com quem ele se casou. O livro, por sinal, é dedicado a ela.
Nick, como Hammett, parou de
trabalhar cedo, vivia grudado na
mulher, era cercado por amigos e
não tomava mingau no café da
manhã, mas bourbon barato.
Ele se envolve com personagens
do passado, um velho inventor
para quem trabalhou e sua filha
adolescente e lasciva, quando a
secretária e a amante do primeiro
leva um tiro na fuça. Wynant, o
inventor, é um maluco de pedra
que intervém na história mandando bilhetes.
A ironia dos narradores, depreciadores de tudo ao redor, é o
charme de sua literatura. Quando
pede uma bebida ao acordar,
Nick diz à mulher: "É cedo demais para um café da manhã".
Só há um problema nas obras
de Hammett: seus personagens
são de um humor machista anacrônico, que choca os puristas de
hoje. Segundo piada contada por
Nick, o narrador, "mulher, cachorro e massa de pão, quanto
mais a gente bate, melhor ficam".
Por outro lado, sempre dá vontade de ser amigo deles e conhecer
as irresistíveis mocinhas embriagadas. É, um leitor também tem
os seus conflitos.
O Homem Magro
Autor: Dashiell Hammett
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$28,00 (264 págs.)
Texto Anterior: Livros/lançamentos - Música: "Abutre" continua a rondar Gil Scott-Heron Próximo Texto: Festival de Curitiba - Mostra oficial: "Churchi" quer diluir cercas estéticas Índice
|