São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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"O HOMEM MAGRO"

O charme da literatura de Hammett

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

A bebedeira implacável, as armas sem porte, as mocinhas aparentemente puras, as ressacas mortíferas, os pais canalhas, os aproveitadores, os otários perseguidos pela polícia e os crimes misteriosos, porém solúveis, estão de volta.
A editora Companhia das Letras tem republicado, com novas traduções, obras de Dashiell Hammett (1894-1961), o maior e mais popular autor americano do gênero policial. Agora, é a vez de "O Homem Magro", o seu último romance, publicado originalmente em 1934.
"Eu estava encostado no balcão de um bar clandestino na rua 52..., quando uma moça se levantou da mesa onde estava sentada com mais três pessoas e se aproximou de mim. Era baixa e loura e, quer a gente olhasse para o seu rosto ou para o seu corpo, vestido com uma roupa esporte azul-clara, o efeito era satisfatório. "Você não é Nick Charles?", perguntou."
É assim que o autor abre o seu romance. Vai-se direto ao ponto, apresenta-se o narrador no primeiro parágrafo. Os detalhes aparecem para ilustrar melhor o personagem, e não para enaltecer um estilo semântico rebuscado.
O ambiente é o de um país mergulhado na recessão, sob o império da lei seca. Gente rica gasta seus cobres restantes apostando e enchendo a lata. Ética e moral estão no mesmo lixo. É uma gente oportunista, que prefere seguir o exemplo dos gângsteres.
Hammett, como o seu rival Raymond Chandler ("O Sono Profundo"), deu luz ao conceito do detetive anti-herói. São pessoas dúbias e cínicas.
Mas o autor de "O Falcão Maltês" era mais literato, estudou em boas escolas e tinha como hobby a filosofia. Hammett era da rua, foi coveiro, motorista de ambulância e trabalhou, sim, numa agência de detetives.
Diferentemente de Chandler, Hammett foi membro do Partido Comunista nos anos 30 e pagou um preço caro devido ao seu ativismo político: foi processado e perseguido pelo macarthismo, entrou para a lista negra, amargou meses na prisão e seus livros foram retirados das bibliotecas.
Há referências de seu ativismo em "O Homem Magro", quando um personagem rico e beberrão ironiza: "Quando vier a revolução, vamos ser todos postos contra o paredão, logo de saída."
A atmosfera de "O Homem Magro" é a de uma montanha russa. A história se passa em Nova York, em 1933. Nick Charles está de férias com sua esposa, Nora, num hotel em que recebem amigos, bebem até cair e dormem à tarde. Nick é um detetive aposentado, que cuida da herança da mulher.
Muitos afirmam que o casal narrado é, na verdade, o casal Hammett e Lillian Hellman, poeta rica com quem ele se casou. O livro, por sinal, é dedicado a ela. Nick, como Hammett, parou de trabalhar cedo, vivia grudado na mulher, era cercado por amigos e não tomava mingau no café da manhã, mas bourbon barato.
Ele se envolve com personagens do passado, um velho inventor para quem trabalhou e sua filha adolescente e lasciva, quando a secretária e a amante do primeiro leva um tiro na fuça. Wynant, o inventor, é um maluco de pedra que intervém na história mandando bilhetes.
A ironia dos narradores, depreciadores de tudo ao redor, é o charme de sua literatura. Quando pede uma bebida ao acordar, Nick diz à mulher: "É cedo demais para um café da manhã".
Só há um problema nas obras de Hammett: seus personagens são de um humor machista anacrônico, que choca os puristas de hoje. Segundo piada contada por Nick, o narrador, "mulher, cachorro e massa de pão, quanto mais a gente bate, melhor ficam".
Por outro lado, sempre dá vontade de ser amigo deles e conhecer as irresistíveis mocinhas embriagadas. É, um leitor também tem os seus conflitos.



O Homem Magro
    

Autor: Dashiell Hammett
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$28,00 (264 págs.)




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