São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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FESTIVAL DE CURITIBA

MOSTRA OFICIAL

Dirigida por Antonio Cadengue, a Cia. de Teatro de Seraphim apresenta em Curitiba a saga de um índio

"Churchi" quer diluir cercas estéticas

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Os atores Eduardo Moscovis e Ana Lucia Torre em cena da montagem "Norma", de autoria de Tonio Carvalho e de Dora Castellar


DO ENVIADO A CURITIBA

Como o protagonista de seu espetáculo mais recente, "Churchi Blues", um índio que busca sua identidade ignorando fronteiras erguidas longe da selva, a Cia. Teatro de Seraphim, de Recife, chega à Mostra Oficial do 11º Festival de Teatro de Curitiba para confrontar a sensação, ou melhor, a condição de exílio em pátria.
Ao integrar o evento pela primeira vez, o diretor Antonio Cadengue define como "quase a um nirvana" a possibilidade de dizer a que veio na dita vitrine da cena no Sul maravilha.
"Eu não me preocupo com cercas que dividem o Nordeste do Sul do país. Elas existem exatamente para que não se revele o pensamento mais crítico, mais instigante. O romance regional dos anos 30 e a criação de uma Sudene, por exemplo, contribuíram para um pensamento único sobre o Nordeste a partir de suas cercanias. Então, espera-se sempre aquilo que tem um tom local, que se fale da seca, do cangaço", afirma o pernambucano Cadengue, 47. "É como se dissessem: Vocês não têm direito de fazer Beckett, porque têm sotaque".
Em 12 anos de estrada, a Cia. Teatro de Seraphim ainda não montou o dramaturgo irlandês Samuel Beckett, mas já constam do currículo três peças do autor em ciclos de leituras dramáticas. Enquanto Godot não vem, "Churchi Blues" quer dar conta de drama tupiniquim algo hamletiano: ser e não ser brasileiro.
João Silvério Trevisan, autor que ajudou a companhia a dar a largada em 90, volta à parceria 12 anos depois, no terceiro projeto com o Teatro de Seraphim.
"Churchi Blues" nasceu originalmente de um roteiro de Trevisan. Estimulado por Cadengue, o próprio escritor fez a adaptação para o palco em 96. Desde então, tentou-se erguer o espetáculo, mas a produção não vingou à época por falta de apoio. A estréia ocorreu somente em dezembro do ano passado, por meio do Projeto EnCena Brasil, da Funarte.
A peça narra, em flashback, a história de um homem que só se sabe índio quando lhe incutem a máscara. "Ele nasce, é encontrado por índias inglesas, adotado por um seringueiro decadente e aprende a tocar violino para quando voltar à tribo. Enfim, é um eterno processo de nascimento, vida e morte. A saga de Churchi é contada como numa situação pirandelliana", diz Cadengue, citando o dramaturgo italiano Luigi Pirandello.
O encenador estende sua leitura do espetáculo ao tema da globalização. "Não é a história de um massacre coletivo, mas de um massacre individual", afirma.
Fazendo jus ao roteiro que lhe deu origem, o espetáculo é montado, segundo Cadengue, com uma estrutura de "falso documentário", em que um grupo de pessoas narra a história de Churchi (em cena, ele é interpretado por dois atores, um para a infância e adolescente, outro para a fase adulta e a velhice). Ao todo, são 16 pessoas no elenco.
Para o diretor do Teatro de Seraphim, nome não por acaso extraído da obra de Antonin Artaud, as dificuldades para se erguer um espetáculo se refletem, de alguma maneira em sua estética. "Há uma simplicidade sofisticada em nosso teatro de idéias, um teatro da palavra", diz Cadengue.
(VALMIR SANTOS)



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