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FESTIVAL DE CURITIBA
MOSTRA OFICIAL
Dirigida por Antonio Cadengue, a Cia. de Teatro de Seraphim apresenta em Curitiba a saga de um índio
"Churchi" quer diluir cercas estéticas
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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Os atores Eduardo Moscovis e Ana Lucia Torre em cena da montagem "Norma", de autoria de Tonio Carvalho e de Dora Castellar |
DO ENVIADO A CURITIBA
Como o protagonista de seu espetáculo mais recente, "Churchi
Blues", um índio que busca sua
identidade ignorando fronteiras
erguidas longe da selva, a Cia.
Teatro de Seraphim, de Recife,
chega à Mostra Oficial do 11º Festival de Teatro de Curitiba para
confrontar a sensação, ou melhor,
a condição de exílio em pátria.
Ao integrar o evento pela primeira vez, o diretor Antonio Cadengue define como "quase a um
nirvana" a possibilidade de dizer
a que veio na dita vitrine da cena
no Sul maravilha.
"Eu não me preocupo com cercas que dividem o Nordeste do
Sul do país. Elas existem exatamente para que não se revele o
pensamento mais crítico, mais
instigante. O romance regional
dos anos 30 e a criação de uma Sudene, por exemplo, contribuíram
para um pensamento único sobre
o Nordeste a partir de suas cercanias. Então, espera-se sempre
aquilo que tem um tom local, que
se fale da seca, do cangaço", afirma o pernambucano Cadengue,
47. "É como se dissessem: Vocês
não têm direito de fazer Beckett,
porque têm sotaque".
Em 12 anos de estrada, a Cia.
Teatro de Seraphim ainda não
montou o dramaturgo irlandês
Samuel Beckett, mas já constam
do currículo três peças do autor
em ciclos de leituras dramáticas.
Enquanto Godot não vem,
"Churchi Blues" quer dar conta
de drama tupiniquim algo hamletiano: ser e não ser brasileiro.
João Silvério Trevisan, autor
que ajudou a companhia a dar a
largada em 90, volta à parceria 12
anos depois, no terceiro projeto
com o Teatro de Seraphim.
"Churchi Blues" nasceu originalmente de um roteiro de Trevisan. Estimulado por Cadengue, o
próprio escritor fez a adaptação
para o palco em 96. Desde então,
tentou-se erguer o espetáculo,
mas a produção não vingou à
época por falta de apoio. A estréia
ocorreu somente em dezembro
do ano passado, por meio do Projeto EnCena Brasil, da Funarte.
A peça narra, em flashback, a
história de um homem que só se
sabe índio quando lhe incutem a
máscara. "Ele nasce, é encontrado
por índias inglesas, adotado por
um seringueiro decadente e
aprende a tocar violino para
quando voltar à tribo. Enfim, é
um eterno processo de nascimento, vida e morte. A saga de Churchi é contada como numa situação pirandelliana", diz Cadengue,
citando o dramaturgo italiano
Luigi Pirandello.
O encenador estende sua leitura
do espetáculo ao tema da globalização. "Não é a história de um
massacre coletivo, mas de um
massacre individual", afirma.
Fazendo jus ao roteiro que lhe
deu origem, o espetáculo é montado, segundo Cadengue, com
uma estrutura de "falso documentário", em que um grupo de
pessoas narra a história de Churchi (em cena, ele é interpretado
por dois atores, um para a infância e adolescente, outro para a fase
adulta e a velhice). Ao todo, são 16
pessoas no elenco.
Para o diretor do Teatro de Seraphim, nome não por acaso extraído da obra de Antonin Artaud, as dificuldades para se erguer um espetáculo se refletem,
de alguma maneira em sua estética. "Há uma simplicidade sofisticada em nosso teatro de idéias,
um teatro da palavra", diz Cadengue.
(VALMIR SANTOS)
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