São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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"NORMA"

Atriz brilha em peça que recupera o teatral

SÉRGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Talvez a pior consequência do beco sem saída do teatro realista comercial, que não aspira a nada além de reproduzir uma "realidade" reconhecível, seja a de promover o erro oposto, a da novidade a qualquer preço.
Montagens no Fringe abaixo da crítica -isto é, que obrigam o crítico a sair antes do final, aflito por estar perdendo coisa melhor- em geral propõem interpretações de textos conhecidos sem sua análise prévia, que levam a espetáculos narcisistas e arbitrários.
Atores iniciantes, em nome do saudável orgulho de não aspirarem apenas à interpretação de novelas, têm que saber dominar a linguagem realista para depois transcendê-la.
É empolgante, assim, que seja justamente Tonio Carvalho, que está ligado à preparação de atores para a televisão, a propor um espetáculo tão teatral, no mais nobre sentido do termo.
Em "Norma", a estréia nacional de anteontem na Mostra Contemporânea do 11º Festival de Teatro de Curitiba, o telefone não precisa tocar para ser atendido, o café não precisa sair do bule, não porque isso é "moderno", mas para que não se perca tempo com o que não é essencial.
A bela fábula, de autoria do diretor Carvalho e de Dora Castel- lar, narra o encontro de duas pessoas opostas, mas com uma mesma solidão.
Uma enlutada e cínica senhora de 50 anos e um angustiado e belo rapaz de 30 se seduzem, se agridem e acabam se encontrando, depois de transcender preconceitos e curar velhas feridas.
A cena única, com unidade de tempo e espaço, lembra os bons tempos de Leilah Assumpção. O texto merece, no entanto, um enxugamento às vezes: um excesso de preparação para as surpresas da trama permite que parte do público consiga prevê-las antes de serem reveladas.
A direção em marcas precisas consagra a interpretação de Ana Lúcia Torre. Estabelecendo uma cumplicidade imediata com a platéia, Ana Lúcia joga de forma bem humorada e emocionante com as contradições de sua personagem.
Norma pode tanto ser uma senhora reconfortantemente convencional, aferrada à "norma" com ingenuidade, como uma megera que levou o filho ao suicídio, em nome dessa mesma norma. Frágil em seu desespero de mãe, sabe, porém, partir de uma sensualidade que ofusca até mesmo a do galã Eduardo Moscovis.
Moscovis ainda traz para a cena hábitos de quem interpreta para as câmeras: é como se as procurasse nos momentos de grande emoção, deixando Ana Lúcia um pouco sem apoio.
Uma certa rigidez corporal não o impede, no entanto, de cumprir uma caracterização contida, fundamental para que a surpresa da trama, que subverte expectativas em relação a sua figura pública, não caia no clichê oposto.
O cenário e figurino de Gawronski, simples e elegantes, pecam talvez por uma simbologia inteligente, mas desnecessária. Nada disso entretanto compromete a grande emoção da platéia diante de uma atriz como Ana Lúcia. Como seria bom se fosse esta a norma para o teatro brasileiro.


Avaliação:    

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