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FESTIVAL DE CURITIBA
PERSONALIDADE
Em Curitiba, poeta comenta "Auto dos Bons Tratos", prepara novo texto para julho e deseja vê-lo montado
Pignatari vai ao teatro e anuncia peça
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
Morador da capital paranaense
há três anos, Décio Pignatari é um
cidadão instigado pelas palavras e
imagens tanto quanto o era nas
paragens paulistas que habitou
por décadas.
"Curitiba é uma cidade viciada
em publicidade, toda moça sonha
em ser top model e toda padaria
cria um design gráfico para sua fachada", diz o poeta concretista e
publicitário temporão Pignatari,
74, enquanto segura um potinho
de jujubas distribuído ao público
do festival por uma operadora de
celular.
Sob a boina de capitão à la Hamingway e óculos de grau acentuados, signos que o descredenciam do anonimato nas ruas
(muitos o saúdam, jovens lhe
apresentam verdes versos), o
também advogado, semiólogo,
ensaísta e teórico da comunicação
estava no saguão do teatro da Reitoria, a convite da Folha, para assistir à estréia nacional da montagem "Auto dos Bons Tratos", da
paulista Cia. do Latão, quarta-feira passada.
É a segunda e última peça que
ele confere na programação com
cerca de 150 ao todo no 11º Festival de Teatro de Curitiba, incluídas as mostras Oficial e Fringe.
A primeira, "Sonho de Uma
Noite de Verão", levada ao teatro
Ópera de Arame pela Cia. de Dança de Belo Horizonte, sob direção
de Gabriel Villela, não conseguiu
prender sua atenção por mais de
20 minutos. "Se uma companhia
de dança não tem controle sobre o
som, não tem controle sobre o
resto", afirma o poeta, que deixou
o teatro, incomodado com o volume da trilha do espetáculo.
Resistiu até o final de "O Auto
dos Bons Tratos", mas não poupa
críticas. Diz que a Cia. do Latão
tenta impor um discurso sobre a
origem do autoritarismo no Brasil
e se esquece de polir a interpretação. "Os atores não sabem falar
andando, ficam heráldicos. Não
há diálogos, mas discursos paralelos", afirma Pignatari.
Apesar da ressalvar que costuma ser muito crítico -"mas de
vez em quando preciso fazer algo
de bom trato"-, o poeta fundamenta sua concepção de teatro
sobretudo em momentos como a
fase de ator que viveu no início
dos anos 50, quando integrava
um grupo amador em Osasco
(SP), "profundamente ideológico", no qual montou textos do italiano Luigi Pirandello.
Ou ainda na sessão de "A Alma
Boa de Setsuan" que viu em Munique, Alemanha, pelo Berliner
Ensemble, "quando o autor ainda
era vivo". Trata-se da lendária
companhia do alemão Bertolt
Brecht.
"Tudo é voz", apalavra Pignatari. Ele diz que o ator brasileiro fala
muito mal. "No cinema é um horror, no teatro é um horror. O ator
brasileiro aprendeu a falar um
pouco nas novelas da Globo, em
que é ouvido claramente", afirma
o poeta.
Para ele, um bom trabalho de
voz permite nuanças como uma
crítica social mais aguda a partir
do modo como se fala em cena.
Em "Pigmaleão", o inglês Bernard
Shaw é um exemplo de dramaturgo que domina o verbo e o deseja
ver potencializado na voz do intérprete.
Dramaturgia é um assunto caro
a Pignatari. Ele já incursionou pelo teatro em "Aquelarre", uma
"peça estranhíssima, que nem os
amigos conseguem apreciar". O
título, de origem basca, significa
"campo do bode" e faz referência
ao sabá das bruxas. "É uma paródia do ambiente universitário, das
mulheres pretensiosas, estudantes de semiótica, mas também é
uma sátira violenta, uma leitura
piadística e psicanalítica do Brasil", afirma o concretista.
Não se tem notícia de que
"Aquelarre" (incluída no livro de
contos "O Rosto da Memória")
tenha sido montada. "Não teve a
mínima repercussão", consola-se
Pignatari. Ele também já teve a experiência de criar um "teatro holograma", mas não surtiu o efeito
esperado.
A mudança para Curitiba, que
há dez anos abre o outono com
um dos festivais mais importantes do país, fez com que o poeta se
aproximasse mais do teatro, ainda que as visitas não sejam feitas
com frequência na condição de
espectador.
Até julho próximo, Pignatari
promete concluir sua segunda peça. "Mais uma vez estou tentando,
mas não posso adiantar a idéia. Já
tenho as notas principais, só espero por aquele momento em que
você se concentra e não abandona
mais", diz.
Desta vez, porém, ele não quer
que a história teoricamente destinada à cena seja condenada ao livro ou à gaveta. "Assim que terminar, vou mostrá-la aos amigos
daqui de Curitiba e de São Paulo,
gente como Antunes Filho, Antônio Fagundes e Antônio Abujamra, para que avaliem."
Décio Pignatari concebe o teatro como uma das artes mais tradicionais do Oriente e do Ocidente. Portanto, com igual terreno
para experimentações que ele, um
dos idealizadores do movimento
de arte concreta no país no final
dos anos 50, ao lado os irmãos
Augusto e Haroldo de Campos, lida com mais desenvoltura na
poesia.
"O teatro tem a singularidade de
não poder ser substituído por outra mídia. É uma arte que depende do contato com o público, da
voz do ator, do corpo, da interação viva", acena.
O jornalista Valmir Santos e o crítico
Sergio Salvia Coelho viajam a convite
da organização do 11º Festival de Teatro
de Curitiba
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