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ANÁLISE
Insuperável na lucidez através do humor
ROGÉRIO SGANZERLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Questão central: o cinema
contemporâneo ainda está
quase completamente dessintonizado com a realidade de nossos
tempos. Raros são os filmes realmente sintonizados com a realidade que os produziu.
Exceções evidentes? Sim, Billy
Wilder (1906-2002) que o diga no
céu, pois aqui o cineasta permaneceria de braços cruzados, enquanto calouros seriam reprovados no vestibular da surpresa: a
eficácia humanística de suas investidas contra a sensibilidade do
público.
Nesse sentido, era insuperável
na lucidez através do humor. Wilder, ao lado dos também norte-americanos William Wyler (1902-1981) e Howard Hawks (1896-1977), foram os que mais bem exprimiram a desglamourização da
violência de massa (leia-se guerra
quente), incentivada pela mídia
imediatista (como se vê no magnífico "A Montanha dos Sete
Abutres", de 1951, protagonizado
por Kirk Douglas) e redundando
na miséria eletrônica que ainda
hoje nos atordoa.
Cada imagem conta e permanece na memória coletiva do público mundial. Wilder pertencia à
melhor linhagem do cinema americano, quase toda provinda de
Viena para Hollywood. Eles foram os que mais bem consubstanciaram a solução entre forma e
conteúdo de seus espetáculos reflexivos.
Com isso quero dizer que provinham da "escola de Lubitsch" [do
cineasta alemão Ernst Lubitsch
(1892-1947)". Com ironia, sarcasmo e uma leveza profunda, erotizou a platéia com filmes bem solucionados, a exemplo de "Testemunha de Acusação", em que
Marlene Dietrich (1901-1992) faz
dois papéis antagônicos, decisivos para a trama, em que todos os
conflitos são postos em xeque nos
últimos cinco minutos de duração do longa.
No entanto, para compreender
seus filmes, não é necessário mais
do que um espectador com Q.I.
acima do sofrível.
Desordem tática
Driblando a política de estrelas
dos grandes estúdios, Wilder
também brindava a estupidez dos
mesmos com seus filmes problematizantes, feitos para serem esquecidos no final da sessão contínua, numa desordem tática.
Quem esquece "Sabrina"? É
possível olvidar o "Crepúsculo
dos Deuses"? Aqui mesmo na Folha, o colunista Carlos Heitor
Cony brindou o melhor dos filmes americanos, justamente uma
denúncia da decadência daquele
sistema.
Numa época de desmascaramento, quando praticamente se
anulam todas as certezas anteriores e todos os caminhos levam à
ambiguidade, também se multiplicam ameaças bombásticas à liberdade de opinião que envolveu
o hemisfério Norte numa guerra
perdida de antemão. Os filmes de
guerra de Wilder levantam a discussão para níveis incontornáveis, humanizando a questão em
vez de tentar transformar cinema
de autor em videogame.
Apesar de humorista, Billy Wilder não brincava em serviço. Verdadeiro gênio profissional, foi um
dos pilares da civilização da imagem em movimento, cujos segmentos de vida são para nós a
própria vida capturada por uma
vil mecânica que nos faz pensar
com olhos e ouvidos livres.
Rogério Sganzerla é cineasta e diretor,
entre outros, de "O Bandido da Luz Vermelha" (1968)
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