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ARTIGO
Neschling e a TV Cultura, uma fundação pública
SAMUEL MAC DOWELL DE FIGUEIREDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A Fundação Padre Anchieta, que explora a rádio e a televisão Cultura, é uma fundação
pública. Foi constituída por ato
do governo do Estado, autorizado
pela lei estadual 9.849, de 1967.
O Governo do Estado a constituiu para dar curso à política pública de educação e cultura, através do rádio e da televisão, utilizando para tanto, então, um órgão da sua administração indireta. Afora o casarão da avenida Faria Lima, que recebeu por doação
da sra. Renata Crespi e hoje está
cedido ao também público Museu da Casa Brasileira, todos os
seus recursos financeiros, desde o
primeiro momento da sua existência e por todos os exercícios seguintes, foram e continuam sendo extraídos do Orçamento do
Estado.
Desses recursos orçamentários
públicos se excluem, tão-somente, as receitas próprias de publicidade, venda de produções e patrocínios. Como entidade pública,
está sujeita à lei de licitações e ao
controle do Tribunal de Contas,
assim como seus contratos não
são nem podem ser sigilosos.
A afirmação de que a Fundação
Padre Anchieta é uma instituição
privada, inscrita em seu próprio
estatuto, contraria os atos oficiais
da sua constituição, contraria os
fatos e contraria a legislação paulista, que a inseriu, como não poderia deixar de ser, entre as entidades da administração descentralizada do Estado. Chamar de
público o que é privado é afirmação sem valor e que tem significado equivalente ao de pendurar
uma placa no pescoço de um rinoceronte com a inscrição "camelo"; ou com a inscrição "propriedade privada" no Palácio dos
Bandeirantes. Nem o rinoceronte
virará camelo, nem se verá um
"shopping center" no palácio.
Nem por isso há qualquer ilegalidade na contratação do maestro
John Neschling para a Orquestra
Sinfônica do Estado, a Osesp,
através da Fundação Padre Anchieta. Equivocado, apenas, é o
entendimento de que essa contratação pode ser mantida em sigilo,
porque os contratos públicos, em
regra, não podem ser objeto de tal
reserva. De resto, trata-se de uma
decisão administrativa, cujo mérito e oportunidade são de avaliação exclusiva do administrador.
Se a questão for medir esse mérito, entretanto, será suficiente
considerar que a construção da
Sala São Paulo e o excepcional desenvolvimento da Osesp ofereceram à cidade condições específicas de manifestação cultural, no
campo da música, que não encontra precedente em nosso país. À
elevação do nível artístico que assegura, soma-se ao seu caráter de
permanência anos e, talvez, séculos adiante. A contribuição que
oferece ao desenvolvimento cultural e educacional não é apenas
importante, mas também indiscutível: os templos musicais de
inúmeras cidades do mundo são
objeto de admiração e, antes, de
inveja da nossa parte; e cumprirão, sempre, o papel indireto e
complementar de estimular a
criação de empregos, de gerar atividade cultural e econômica e, no
caso particular da Sala São Paulo,
de contribuir para a valorização
urbanística da cidade.
Quanto à contratação do maestro John Neschling, ela resultou
de uma escolha que a caracteriza,
segundo a lei de licitações, como
uma contratação singular -porque a pessoa que se desejava contratar, fosse por sua qualificação
artística, pela notoriedade dessa
qualificação ou pela sua identificação com o projeto de montar,
ensaiar, criar repertório e reger a
orquestra, não poderia ser selecionada através de uma licitação
de "melhor preço", que sujeitaria
a organização e regência da orquestra a uma solução aleatória
que levaria de roldão, com certeza, todo o investimento realizado
com a própria Sala São Paulo.
O custo da contratação de Neschling, goste-se ou não disso, só
podia ser medido em face do mercado em que a qualidade buscada
podia ser encontrada; esse custo
não está sujeito à crítica quanto ao
seu valor absoluto, mesmo porque não é sustentado por verbas
do orçamento público, e sim por
recursos próprios gerados pelo
mecanismo, como as vendas de
assinaturas e ingressos e patrocínios. Esse aspecto também afasta
a discussão sobre a prioridade do
investimento, porque ele não
substituiu ou preteriu qualquer
outro investimento público, pela
dupla razão de ser um investimento que ativa a geração de recursos, e não o contrário, e de
possuir razões próprias e suficientes para a sua implementação.
A discussão sobre o tema é precipitada e prejudicada pela desinformação -quanto à falsíssima
natureza privada da Fundação
Padre Anchieta e ao incabível sigilo do contrato- e pela falta de
percepção do valor da criação da
sala e da performance da orquestra, tanto em termos culturais e
sociais como de administração da
coisa pública.
O estágio de interpretação musical que a Osesp alcançou, em
obras como a "Sagração da Primavera" e "Salomé", diz mais sobre o assunto do que procurar irregularidades onde elas não existem. Ele será por certo sucedido
por Neschling na determinação
de tirar as partituras brasileiras
das gavetas e produzir uma extensa obra fonográfica. Com dinheiro arrecadado aqui sim do setor
privado, como acontece em Nova
York, em Viena e demais lugares
onde a cultura é desenvolvida
com base no esforço conjunto da
sociedade.
Samuel Mac Dowell de Figueiredo é
advogado, sócio do escritório Rodrigues
Barbosa Mac Dowell de Figueiredo - Advogados
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