São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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"MEU LIVRO DE COZINHA"

Culinária pedante e dura de engolir

LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pedro Nava dizia que os Mello Franco só falavam com os Nabuco. E os Nabuco só falavam com Deus. O assunto certamente não era comida, a julgar por este enfadonho "Meu Livro de Cozinha", escrito por Carolina Nabuco e reeditado agora.
Dizer que o livro é muito ruim e desnecessário tem algo de tragédia grega, é como matar uma tia velha e respeitável. Afinal, ela é autora de uma importante biografia do pai, Joaquim Nabuco, "Um Estadista da República", que por sua vez fora biógrafo do próprio pai em "Um Estadista do Império". Gerações da família no serviço público bem prestado. Mas estamos falando de cozinha.
Fosse só o relato de longos jantares e de como era o prazer à mesa, então se justificaria como documento. Falaria de um outro tempo, que os ingênuos chamarão de ingênuo e que prefiro chamar de frívolo, de onde já saiu boa literatura.
Mas o livro tem uma pretensão vitoriana de melhoramento dos lares, uma espécie de moralidade, fruto do comportamento à mesa, no gênero "bem feita, no entanto, uma perninha de cabrito novo pode figurar em menus de família".
Ainda bem que não somos mais assim, empolados, pedantes. O mundo culinário ficou mais simples na forma e mais complexo no conteúdo, há atualmente mais atenção à qualidade dos produtos do que à qualidade da porcelana e ao tecido do libré dos criados. Aconteceu uma diluição do centro, mais gente comendo coisas melhores, já não é necessário ser do serviço diplomático para comer uma codorna...
E pensar que na mesma época M.F.K. Fisher estava escrevendo clássicos modernos da gastronomia! O anacronismo não tem a ver com a idade do texto, e sim com o ponto de vista, a do patriciado brasileiro, resumido numa sucessão de receitas vagas e rebuscadas.
Entretanto, há boa diversão na leitura, pelo aspecto supérfluo das considerações culinárias. Por exemplo, este parágrafo: "Lembro-me no Rio antigo de um crioulo alto, que o mundo elegante convocava aos domingos para fazer churrasco. Ele abria uma grande vala no jardim, despejava-lhe carvão e procedia ao preparo do churrasco, sempre delicioso. Por mais que as donas-de-casa e os curiosos de culinária observassem atentamente o processo, ninguém lhe descobria o segredo, e concluíram que ele talvez não tivesse segredo". Ela escreve isso sem ironia nenhuma!

Melão em fatias
E este: "Sobre morangos lembro-me que na Inglaterra (...) essa fruta é vendida em três categorias de tamanhos: pequenos, médios e grandes". Parece saído do Conselheiro Acácio de Eça.
E o tópico "melão", que começa assim: "o melão divide-se admiravelmente em fatias e não deve ser servido de outro modo quando aparecer antes das refeições...".
A nota introdutória fala, de boca cheia, nos "30 livros de cozinha em inglês e francês que possui em sua biblioteca...". Convenhamos, uma biblioteca bem modesta. E no capítulo "Alguns Princípios de Cozinha", explicando as temperaturas, há esta pérola da vida provinciana: "Conheço uma cozinheira que põe a mão dentro do forno e começa a contar. Se só consegue contar até três, o forno está quentíssimo. Se vai até 20, o calor está bom para suspiros, isto é, quase frio".
Este é um livro de humor, sem dúvida.


Meu Livro de Cozinha  
Autora: Carolina Nabuco
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 25 (213 págs.)




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