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"MEU LIVRO DE COZINHA"
Culinária pedante e dura de engolir
LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pedro Nava dizia que os
Mello Franco só falavam com
os Nabuco. E os Nabuco só falavam com Deus. O assunto certamente não era comida, a julgar
por este enfadonho "Meu Livro
de Cozinha", escrito por Carolina
Nabuco e reeditado agora.
Dizer que o livro é muito ruim e
desnecessário tem algo de tragédia grega, é como matar uma tia
velha e respeitável. Afinal, ela é
autora de uma importante biografia do pai, Joaquim Nabuco,
"Um Estadista da República", que
por sua vez fora biógrafo do próprio pai em "Um Estadista do Império". Gerações da família no
serviço público bem prestado.
Mas estamos falando de cozinha.
Fosse só o relato de longos jantares e de como era o prazer à mesa, então se justificaria como documento. Falaria de um outro
tempo, que os ingênuos chamarão de ingênuo e que prefiro chamar de frívolo, de onde já saiu boa
literatura.
Mas o livro tem uma pretensão
vitoriana de melhoramento dos
lares, uma espécie de moralidade,
fruto do comportamento à mesa,
no gênero "bem feita, no entanto,
uma perninha de cabrito novo
pode figurar em menus de família".
Ainda bem que não somos mais
assim, empolados, pedantes. O
mundo culinário ficou mais simples na forma e mais complexo no
conteúdo, há atualmente mais
atenção à qualidade dos produtos
do que à qualidade da porcelana e
ao tecido do libré dos criados.
Aconteceu uma diluição do centro, mais gente comendo coisas
melhores, já não é necessário ser
do serviço diplomático para comer uma codorna...
E pensar que na mesma época
M.F.K. Fisher estava escrevendo
clássicos modernos da gastronomia! O anacronismo não tem a
ver com a idade do texto, e sim
com o ponto de vista, a do patriciado brasileiro, resumido numa
sucessão de receitas vagas e rebuscadas.
Entretanto, há boa diversão na
leitura, pelo aspecto supérfluo das
considerações culinárias. Por
exemplo, este parágrafo: "Lembro-me no Rio antigo de um
crioulo alto, que o mundo elegante convocava aos domingos para
fazer churrasco. Ele abria uma
grande vala no jardim, despejava-lhe carvão e procedia ao preparo
do churrasco, sempre delicioso.
Por mais que as donas-de-casa e
os curiosos de culinária observassem atentamente o processo, ninguém lhe descobria o segredo, e
concluíram que ele talvez não tivesse segredo". Ela escreve isso
sem ironia nenhuma!
Melão em fatias
E este: "Sobre morangos lembro-me que na Inglaterra (...) essa
fruta é vendida em três categorias
de tamanhos: pequenos, médios e
grandes". Parece saído do Conselheiro Acácio de Eça.
E o tópico "melão", que começa
assim: "o melão divide-se admiravelmente em fatias e não deve ser
servido de outro modo quando
aparecer antes das refeições...".
A nota introdutória fala, de boca cheia, nos "30 livros de cozinha
em inglês e francês que possui em
sua biblioteca...". Convenhamos,
uma biblioteca bem modesta. E
no capítulo "Alguns Princípios de
Cozinha", explicando as temperaturas, há esta pérola da vida provinciana: "Conheço uma cozinheira que põe a mão dentro do
forno e começa a contar. Se só
consegue contar até três, o forno
está quentíssimo. Se vai até 20, o
calor está bom para suspiros, isto
é, quase frio".
Este é um livro de humor, sem
dúvida.
Meu Livro de Cozinha
Autora: Carolina Nabuco
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 25 (213 págs.)
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