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O senhor das lágrimas humanas
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Foi Thibaudet quem observou, a respeito de Victor Hugo,
que o autor de "Os Miseráveis"
tinha mais "situation" que
"présence" no panorama da literatura não só francesa como
universal. Até hoje, os críticos
são obrigados a acentuar esta
dicotomia crítica em relação
ao homem que encheu tão largo e brilhante período da cultura humana. Mesmo aqueles
críticos que lhe fazem restrições, como Otto Maria Carpeaux, são obrigados a admitir
que "Victor Hugo é um colosso
que desafia as definições".
Foi -e essa é uma constatação universal- o maior nome
de seu tempo no campo das letras. Contemporâneo de Balzac, tinha mais prestígio e
mais público do que o autor de
"A Comédia Humana". E, como poeta, sua popularidade
era, disparada, não apenas a
maior na França mas em todo
o mundo. Para muitos, ele ficaria sobretudo como "o poeta", mais ou menos na posição
em que a posteridade colocou
Dante como "o altíssimo poeta". Para todos os efeitos, segundo André Gide, ele havia
feito "os mais belos versos da
língua francesa".
Era muito, mas não era tudo.
Inquieto, honesto, turbulento,
um homem ao gosto de sua
época, Victor Hugo adotaria a
expressão barroca em sua linguagem, tanto no verso como
na prosa. Daí que muitos já o
consideravam anacrônico em
seu próprio tempo. Curiosamente, ele estaria sintonizado
com os problemas de sua época, engajado naquela corrente
que constituiu o veio mais nobre do romantismo francês que
o lugar-comum remonta a Michelet. Já não era mais aquele
romantismo placidamente católico e conservador que dominara a França durante tantos
anos, mas a conscientização
progressiva e progressista que
transformaria Victor Hugo no
"grande plebeu" das letras
francesas.
Seu barroquismo (que alguns
preferem classificar de "medievalismo"), seu goticismo ou
seu gongorismo, nada têm de
reacionário. Não é um egresso
saudoso da Idade Média, pitorescamente simpático, como
Walter Scott ou Manzoni. Nem
pagou tributo à Idade Média
feudal-católica dos românticos
reacionários. Victor Hugo conseguiu imprimir ao romantismo -e nisso só teve a emulação de Michelet -um caráter
progressista que transformaria
o movimento num dos mais
importantes e fecundos de toda a história literária.
Complexa a abordagem de
sua obra. Poeta, deve-se a Victor Hugo a grandeza e a distorção de toda uma mecânica do
verso que até hoje produz remanescentes. Seus poemas, excessivamente belos, não raro
desviados para o panfleto político ou social, são o modelo
mais característico de um tipo
de poesia tornado clássico,
mas logo superado pelas correntes que se sucederam na
própria França e que juntaram
Mallarmé, Baudelaire, Rimbaud e Verlaine num nicho estanque.
Assim, paradoxalmente, à
medida em que Victor Hugo se
torna o grande poeta de toda
uma época, torna-se também o
grande superado. Apesar disso,
na França e fora dela, seus versos até hoje são lembrados e,
com razão ou sem ela, amados.
Representou sozinho, e dentro
da poesia universal, uma época inteira, uma espécie de Idade Média completa, com nascimento, apogeu e declínio definidos e definitivos.
Transcendendo à poesia,
Victor Hugo foi também romancista e político praticante.
Teve soberba atuação contra o
golpe de Luís Napoleão, tornando-se no mais brilhante
adversário da ditadura instalada a 2 de dezembro de 1851.
Membro da Assembléia Francesa, não se submeteu à violência: foi para a rua, a faixa tricolor ao peito, defender o seu
mandato popular em plena
barricada, enfrentando à bala
os soldados do ditador. Isso lhe
valeu perseguições e o exílio
que entrou na lenda e na história de sua vida. Mais uma vez
repetia-se a tradição francesa
que guilhotinara o seu melhor
poeta da Revolução (André de
Chénier) e exilara seu melhor
burguês (Victor Hugo).
Em compensação, foi no exílio que ele teve motivo e tempo
para se dedicar àquela que seria a sua obra maior no domínio da prosa: "Os Miseráveis".
Já não seria uma pintura, mas
um retrato. O exótico e o histórico seriam substituídos pelo
realismo e pela história. Em
intenção, o livro prometia ser
grande. Na prática, tornou-se
grande demais, com aquela
grandeza suspeita que muitos
chegam a atribuir a Shakespeare, "o oceano que se atravessa com água pelas canelas".
Como romancista, Victor
Hugo sofreu do mesmo processo crítico por que passou o poeta Victor Hugo. Criticamente,
a revisão histórica foi-lhe fatal.
Seu prestígio diminuiu diante
de autores que vieram logo depois. Para todos os efeitos, o
grande romancista de seu tempo ficou sendo Balzac, que
morrera antes dele.
Hoje, suas longas digressões e
brutais coincidências são tidas
como arte menor. Mas nenhum escritor o ultrapassaria
na carga emotiva da palavra
escrita. O sineiro de Notre Dame, que ele criou em 1831, século e meio depois seria desenho animado de Walt Disney.
Não foi sem razão que Tennyson o chamou de "Senhor das
lágrimas humanas".
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