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"Eu sou a romã!", gritou Helena há quase 40 anos
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
"Eu sou a romã!", ela dizia no
palco baiano, 1960, em "A História de Sara e Tobias", de Paul
Claudel. A frase enfeitiçou Caetano Veloso e Maria Bethânia, que
passaram tempos imitando a dicção da atriz. Caetano registrou, no
livro "Verdade Tropical", a sua
reação e a de Bethânia frente a Helena Ignez: "Nós a idolatrávamos".
Em certo sentido, a atriz se tornaria mesmo, pouco depois, a
"romã", a caixa de grãos que ajudou a formar o cinema brasileiro
dos anos 60. Primeiro o cinema
novo, que ela pariu junto a Glauber Rocha, obtendo financiamento para seu primeiro curta, e depois o cinema marginal, quando
funcionou como musa absoluta e
estrela para os diretores Júlio
Bressane e Rogério Sganzerla.
Após 19 filmes rodados entre
1961 e 1973, e papéis menores na
década de 90, seu rosto voltaria a
iluminar as telas em novas produções de Sganzerla ("Sob o Signo
do Caos"), Bressane ("São Jerônimo") e Roberto Pires ("Nasce
o Sol no 2 de Julho"). Mas é retomando sua paixão primeira, pelo
palco -que inclui formação acadêmica de atriz-, que Helena Ignez promete ser, mais uma vez, a
tal "romã".
Aquecendo-se no teatro paulista
e carioca em papéis coadjuvantes
desde o início dos anos 90, ela reaparece agora, em "Cabaret Rimbaud", como uma sacerdotisa (a
"guardiã") que franqueia os portais do inferno para o mergulho do
poeta e traficante de armas Arthur
Rimbaud. Para que as engrenagens deslizem macias, Helena
azeita a maquinaria teatral com o
pensamento de outro "maldito",
o ator e teatrólogo Antonin Artaud (1896-1948).
A montagem é a jogada mais
ambiciosa de sua carreira teatral.
Na peça, ela se autodirige e distribui as cartas, místicas e emblemáticas como as do tarô. Na casa dos
50 anos, os traços finos do rosto
ainda magnetizam, como no dia
em que o cinema brasileiro começou a renascer. Foi assim: eleita
"glamour girl" do ano de 1958
em Salvador, ela não esperou 24
horas para vestir seu prêmio
-brincos e colar de jade-, sentar-se no escritório do milionário
baiano promotor do concurso,
Pânphilo de Carvalho, e conseguir
dinheiro para o namorado Glauber Rocha rodar seu primeiro curta-metragem, "O Pátio".
A "branquela" Helena conheceria o "outro lado da sociedade"
pelas mãos do "mulato Glauber", como se referiam ao cineasta amigos da família dela, e esse
"outro lado" se tornaria, a partir
daí, sua família. O casamento gerou Paloma Rocha. Porém, contra
a vontade do companheiro -"Se
você fizer sucesso, nos separamos"-, Helena intensificaria a
carreira de atriz.
Ante o inevitável, Glauber lhe
pediria para trabalhar em "A
Grande Feira" (61), de Roberto
Pires, filme no qual foi produtor
executivo.
Já separada de Rocha, foi morar
no Rio, e participou de "O Assalto
ao Trem Pagador" (62), no único
papel feminino do filme de Roberto Faria. Mudou de registro para
colaborar com Joaquim Pedro de
Andrade no delicado "O Padre e a
Moça" (65). A interpretação dividiu o júri do Festival de Berlim,
que criou para ela um prêmio de
"revelação de atriz". "Foi um
crítico carioca no júri que se opôs
à premiação na categoria principal", revela.
Depois veio o namoro com Julio
Bressane, e o primeiro filme do diretor, "Cara a Cara" (67), que
inaugurou sua marca de ícone andrógino, inatingível e fatal.
Numa época inigualável para o
cinema brasileiro -quando as
marquises exibiam os nomes de
Leila Diniz, Dina Sfat, Darlene
Glória, Anecy Rocha, Adriana
Prieto...- Helena usou atributos
muito particulares para amparar
sua imagem. Embora suas personagens oscilassem entre libertárias e libertinas, ela lembra: "Para
guardar energia, eu quase não trepava: o Jece Valadão dizia que eu
era de fritar bolinho".
Apaixonou-se por Rogério
Sganzerla durante as filmagens de
"O Bandido da Luz Vermelha"
(68). Com o marido Sganzerla e o
amigo Bressane manteve a produtora cinematográfica Belair, cuja
estética teve ecos perceptíveis até
mesmo no ciclo da pornochanchada. O estilo debochado da
atriz, e as muitas frases que afrontavam de forma subliminar a ditadura -"O negócio é ser boçal"- influenciavam os cômicos
da TV.
A fase mística, hare krishna, durou seis anos inteiros. "Foi, talvez, para escapar do cansaço da vida de atriz e da família", diz. Nos
templos da seita nos EUA, aprendeu a ler mãos com um monge,
prática que exercita até hoje, assim
como a ioga e o tai-chi. "Sou ecológica, amo os bens da natureza,
com todas as suas ervas", diz a
atriz, forçando o duplo sentido da
frase, à maneira de seus diálogos
de 1969.
Um astrólogo na Índia, nos anos
80, vaticinou que a carreira profissional da geminiana seria produtiva até idade avançada. No vocabulário da "Mulher de Todos" (título do filme de Sganzerla, 69),
"desbunde" virou "liberdade",
e o arrebatamento convive agora
com disciplina e reflexão. De qualquer maneira, Helena Ignez está
disposta a cumprir o seu destino.
Como sempre, ela não hesitará em
misturar os registros da vida e da
ficção: em 99, por exemplo, deverá
ser a Madame Blavatsky teatralizada por Plínio Marcos, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa.
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