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Marcos Santarrita firma-se como tradutor dos grandes romancistas
especial para a Folha
Contista, romancista, crítico literário e tradutor profissional,
Marcos Santarrita, 57, tem o privilégio de estar sempre ao lado dos
grandes.
Especialista em livros ditos "difíceis", já traduziu Conrad ("Lorde Jim", "Vitória", "Coração
das Trevas"), Stendhal (o inacabado "Lucien Leuwen", que Lukács considera sua obra-prima) e
Pirandello ("Seis Personagens à
Procura de um Autor").
Chegou a ser escolhido por Harold Bloom como tradutor de seu
"Cânone Ocidental", pois "Santarrita traduziu a maioria dos livros que menciono aqui". Por
golpe do destino, também acabou sendo o primeiro a traduzir, para o
português, um romance
da última fase de Henry
James.
Enquanto preparava as
provas de obra de própria lavra, "Mares do
Sul" (pioneiramente
lançado em folhetim pela Internet), Santarrita
falou à Folha sobre as dificuldades de "As Asas
da Pomba".
(MP)
Folha - A tradução de
"As Asas da Pomba" lhe
foi encomendada?
Marcos Santarrita -
Fui apanhado desprevenido. Quando a Ediouro
me ligou encomendando
a tradução, disse que era
de livro que estava concorrendo ao Oscar. Pensei que fosse um destes best sellers, que traduziria com os pés nas costas.
Quando o original chegou em casa, levei um susto.
Folha - Quanto tempo precisou
para traduzir?
Santarrita - A Ediouro me pediu pressa. Levei quase quatro meses.
Folha - De quem foi a decisão de
verter o prefácio?
Marcos Santarrita - Foi minha,
claro. Acredito que o prefácio, do
próprio autor, é parte integrante
da obra. Na verdade, acho James
ainda melhor crítico que ficcionista, de modo que a supressão do
prefácio acarretaria uma perda.
Folha - Como foi traduzir James?
Santarrita - James é dificílimo
de traduzir. Perto dele, Proust é até
bastante fácil. E sabe por quê? Justamente pela sintaxe e pelo uso que
faz dos termos mais banais. Tenho
excelentes dicionários aqui, inclusive históricos. Mas os termos que
mais ia procurar eram palavras banais como "make" e "do". James é dos autores menos adaptáveis a outras línguas. Se quer saber,
não fiquei totalmente satisfeito
com a tradução.
Folha - James tem um estilo intricado, sobretudo nos romances da
última fase. A única crítica que pode ser feita à sua tradução é a de
ter-se mantido excessivamente fiel
à frase jamesiana, de não ter procurado fugir dela, dar-lhe uma sintaxe mais própria.
Santarrita - Acho que nem poderia fazer isso, pois do contrário
estaria fazendo uma adaptação.
Além disso, acho que a melhor tradução é a mais literal possível.
Folha - Como assim?
Santarrita - É uma coisa que venho defendendo em seminários de
tradução. Ser literal quer dizer ser
fiel à obra, mantendo cada palavra, cada adjetivo, cada vírgula.
Respeitando-se, é claro, a sintaxe
portuguesa. No caso de James, isso
significa manter certas idiossincrasias.
Folha - Mesmo indo contra as
normas?
Santarrita - Acho que a literatura não está submetida aos manuais
de redação. Alguns críticos de jornais costumam, por exemplo,
condenar o uso de adjetivos e advérbios, e sabe por quê? Porque os
manuais lhes sugerem que se deve
"evitá-los", o que eles entendem
como "eliminar". Assim, chegaremos ao ideal de Orwell: reduzir o
vocabulário para reduzir a capacidade de pensar. Literatura não é
jornal, não está sujeita a manuais
de redação.
Folha - Na verdade, até
em inglês a prosa de James parece estranha.
Santarrita - É como
Conrad, outro autor dificílimo de traduzir e tão
"pomposo" quanto.
Mas é aí que reside a graça de James. Temos de
nos esforçar para catar o
significado oculto por
trás daquele estilo denso.
Um crítico americano
disse mais ou menos assim: "A aventura de ler
as "Asas da Pomba' é
descobrir o que James
quer dizer". Em muitos
romances, queremos saber quem é o assassino,
ou como a trama se deslindará. Em James, a
grande aventura é a da
descoberta do significado.
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