São Paulo, sábado, 30 de maio de 1998

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Marcos Santarrita firma-se como tradutor dos grandes romancistas

especial para a Folha

Contista, romancista, crítico literário e tradutor profissional, Marcos Santarrita, 57, tem o privilégio de estar sempre ao lado dos grandes.
Especialista em livros ditos "difíceis", já traduziu Conrad ("Lorde Jim", "Vitória", "Coração das Trevas"), Stendhal (o inacabado "Lucien Leuwen", que Lukács considera sua obra-prima) e Pirandello ("Seis Personagens à Procura de um Autor").
Chegou a ser escolhido por Harold Bloom como tradutor de seu "Cânone Ocidental", pois "Santarrita traduziu a maioria dos livros que menciono aqui". Por golpe do destino, também acabou sendo o primeiro a traduzir, para o português, um romance da última fase de Henry James.
Enquanto preparava as provas de obra de própria lavra, "Mares do Sul" (pioneiramente lançado em folhetim pela Internet), Santarrita falou à Folha sobre as dificuldades de "As Asas da Pomba". (MP)

Folha - A tradução de "As Asas da Pomba" lhe foi encomendada?
Marcos Santarrita -
Fui apanhado desprevenido. Quando a Ediouro me ligou encomendando a tradução, disse que era de livro que estava concorrendo ao Oscar. Pensei que fosse um destes best sellers, que traduziria com os pés nas costas. Quando o original chegou em casa, levei um susto.
Folha - Quanto tempo precisou para traduzir?
Santarrita -
A Ediouro me pediu pressa. Levei quase quatro meses.
Folha - De quem foi a decisão de verter o prefácio?
Marcos Santarrita -
Foi minha, claro. Acredito que o prefácio, do próprio autor, é parte integrante da obra. Na verdade, acho James ainda melhor crítico que ficcionista, de modo que a supressão do prefácio acarretaria uma perda.
Folha - Como foi traduzir James?
Santarrita -
James é dificílimo de traduzir. Perto dele, Proust é até bastante fácil. E sabe por quê? Justamente pela sintaxe e pelo uso que faz dos termos mais banais. Tenho excelentes dicionários aqui, inclusive históricos. Mas os termos que mais ia procurar eram palavras banais como "make" e "do". James é dos autores menos adaptáveis a outras línguas. Se quer saber, não fiquei totalmente satisfeito com a tradução.
Folha - James tem um estilo intricado, sobretudo nos romances da última fase. A única crítica que pode ser feita à sua tradução é a de ter-se mantido excessivamente fiel à frase jamesiana, de não ter procurado fugir dela, dar-lhe uma sintaxe mais própria.
Santarrita -
Acho que nem poderia fazer isso, pois do contrário estaria fazendo uma adaptação. Além disso, acho que a melhor tradução é a mais literal possível.
Folha - Como assim?
Santarrita -
É uma coisa que venho defendendo em seminários de tradução. Ser literal quer dizer ser fiel à obra, mantendo cada palavra, cada adjetivo, cada vírgula. Respeitando-se, é claro, a sintaxe portuguesa. No caso de James, isso significa manter certas idiossincrasias.
Folha - Mesmo indo contra as normas?
Santarrita -
Acho que a literatura não está submetida aos manuais de redação. Alguns críticos de jornais costumam, por exemplo, condenar o uso de adjetivos e advérbios, e sabe por quê? Porque os manuais lhes sugerem que se deve "evitá-los", o que eles entendem como "eliminar". Assim, chegaremos ao ideal de Orwell: reduzir o vocabulário para reduzir a capacidade de pensar. Literatura não é jornal, não está sujeita a manuais de redação.
Folha - Na verdade, até em inglês a prosa de James parece estranha.
Santarrita -
É como Conrad, outro autor dificílimo de traduzir e tão "pomposo" quanto. Mas é aí que reside a graça de James. Temos de nos esforçar para catar o significado oculto por trás daquele estilo denso. Um crítico americano disse mais ou menos assim: "A aventura de ler as "Asas da Pomba' é descobrir o que James quer dizer". Em muitos romances, queremos saber quem é o assassino, ou como a trama se deslindará. Em James, a grande aventura é a da descoberta do significado.



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