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'Parafuso' é clássico do horror psicológico
especial para a Folha
A tradição por
vezes nos prega
uma peça. Por
que outro motivo seríamos
obrigados a engolir um título
tão esquisito como "A Volta do
Parafuso", na verdade uma antiga
tradução literal de "The Turn of
the Screw"?
Em inglês, a expressão tem sentido. Significa um grau de pressão
ou crueldade empregadas numa
situação já difícil de suportar. Remete a uma velha prática de tortura, que consiste em prender os polegares da pessoa a um instrumento que, a cada volta do parafuso,
aumenta a dor do supliciado.
A tortura, em Henry James, é
quase sempre psicológica e aí reside a beleza dessa novela, uma das
mais bem acabadas, intrigantes e
polêmicas narrativas de horror de
todos os tempos.
O livro surgiu quase de brincadeira. Conta James que, em uma
roda de amigos, lamentou a sorte
das histórias de fantasmas, sujeitas, em tempos modernos, a um
tipo de relato "físico". Como nesses casos tudo era descrito, pouco
restava à imaginação dos leitores.
James quis fazer o oposto, confiando na imaginação de quem lê
para criar o horror. A vilania, o sinistro, o mal, o diabólico são apenas sugeridos. O resultado é que o
leitor imagina o pior, o mais medonho -o indizível. Se essa estratégia amplia o sentido do terror,
também propicia uma das mais famosas polêmicas das letras inglesas, equivalente em vários sentidos ao processo sofrido pela Capitu, de Machado de Assis.
A narradora do caso fantasmagórico é uma jovem governanta
incumbida de cuidar de duas
crianças órfãs em uma casa de
campo inglesa. Segundo ela, os pequenos estariam sendo possuídos
pelos fantasmas de dois ex-criados
da residência. A questão é saber se
estamos diante de um caso de possessão, ou se tudo não passa de
alucinação da governanta.
Edmund Wilson, o mais famoso
representante da segunda vertente, escreveu que a moça representa
um exemplo severo de repressão
sexual. Oprimida pelo puritanismo, imaginou os fantasmas e,
pior, teria envolvido as ingênuas
crianças em seu canibalismo emocional. Torturada, teria passado a
torturadora, ainda que bem-intencionada. Mais tarde, o crítico
matizou sua tese e disse que, na
verdade, fora James quem, ao duvidar de sua narradora, imprimira
inconscientemente indícios que
nos levariam a desconfiar dela.
No prefácio à obra, Jorge Luis
Borges afirma que as duas hipóteses são possíveis. Mas nada inconscientes. Num jogo de revelação e ocultamento, James introduziu ambas as formas de interpretação. Acha-se nessa multiplicidade
de sentidos a riqueza do escritor
anglo-americano.
Ao leitor, portanto, cabe não só
forjar o mal sugerido, como também a própria história que está
lendo. Seja qual for a interpretação
escolhida, porém, esta não o livrará de um frio na espinha, de um
medo vago, de um horror insidioso, de tênues fumos infernais....
Em tempo: o prefácio de Borges
é parte integrante desta edição, a
qual se insere na série de literatura
fantástica "Biblioteca de Babel",
da Ediouro. Desta vez, a editora
acertou na forma (com capa discreta de Hélio de Almeida) e no
conteúdo.
(MP)
Livro: A Volta do Parafuso
Autor: Henry James
Tradutora: Olivia Krähenbühl
Lançamento: Ediouro
Quanto: R$ (188 págs.)
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