São Paulo, sábado, 30 de maio de 1998

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CINEMA
O cineasta e escritor Inácio Araújo, da Folha, dirige seu primeiro longa-metragem, "Casa de Meninas"; filme será rodado em SP
Crítico estréia na tela com suas meninas

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O escritor, cineasta e crítico Inácio Araujo prepara-se para dirigir seu primeiro longa-metragem, "Casa de Meninas".
Baseado no romance homônimo do próprio Araujo, publicado em 1987 pela Marco Zero (leia abaixo), o filme será, segundo o autor, "uma comédia dramática que tenta dar uma visão da história recente do Brasil".
"Casa de Meninas", que deverá ser rodado em São Paulo no segundo semestre, tem produção de Antonio Polo Galante e está orçado em R$ 2,2 milhões. Parte desses recursos -R$ 400 mil- vem do Programa de Integração Cinema-TV, da TV Cultura.
No elenco, ainda não definido, o cineasta pretende contar com Carlos Alberto Riccelli ou Edson Celulari no principal papel masculino e com as atrizes Beth Coelho, Maria Luísa Mendonça e Cássia Linhares. Mas a maior parte do elenco será de desconhecidos, escolhidos por meio de testes.
Pedro Farkas fará a direção de fotografia e Fátima Toledo a preparação de atores.
Crítico de cinema da Folha há mais de 15 anos, Inácio Araujo, 49, trabalha há quase três décadas na realização de filmes.

Folha - Como surgiu a idéia de filmar seu próprio romance?
Inácio Araujo -
O projeto surgiu em 1989, na época da Casa de Imagens, uma produtora cooperativa de cineastas de São Paulo. Mas o projeto acabou não vingando, a Casa de Imagens foi abortada com o processo de desmonte da produção de cinema no país. Só agora o filme se viabilizou. Nesses quase dez anos, muita coisa aconteceu. Resolvi refazer o roteiro mudando as gerações das moças. Achei importante introduzir um diálogo com a época atual.
Folha - Do ponto de vista narrativo, o que muda, do livro ao filme?
Araujo -
O romance é narrado pelo personagem Leon. O filme tem que narrar a si próprio, acompanhando o ponto de vista da casa das meninas. É como uma narração em terceira pessoa.
A estrutura narrativa será próxima a do livro. As histórias se imbricam, uma vai alimentando a outra. À parte isso, o romance é um meio analítico, o cinema é um meio sintético. Muitos dos episódios do livro tiveram que ser suprimidos, senão daria um filme maior do que "Os Dez Mandamentos". Será um filme prosaico, narrativo. Não tenho intenção de fazer um filme ensaístico.
Folha - Onde vai ser filmado?
Araujo -
Uns 70% serão feitos em estúdio, uns 30% em locações. Como se trata basicamente de uma casa, com cômodos pequenos, é mais barato e prático fazer em estúdio, para facilitar a iluminação, os movimentos de câmera etc.
Folha - O filme vai manter a "paulistanidade" do livro?
Araujo -
Sim. É um filme da cidade de São Paulo. Ele se passa num lugar e num tempo específicos. Não poderia ser feito em qualquer lugar. Quero refletir um espírito que existe aqui.
Folha - Você fez um episódio do filme "As Safadas", em 1982, e depois não dirigiu mais. Por quê?
Araujo -
O cinema em que eu trabalhava, e do qual eu gostava, era o da Boca do Lixo, onde você mexia com o repertório do filme popular. No início dos anos 80, esse cinema estava acabando, estava já virando o cinema pornô.
Logo em seguida a Folha me convidou para trabalhar como crítico, e eu achei isso muito mais interessante do que fazer cinema naquelas circunstâncias, principalmente para mim, que sempre fui incapaz de correr atrás de financiamento, de relações pessoais etc.
Folha - O que mudou no cinema brasileiro desde que você dirigiu o episódio de "As Safadas"?
Araujo -
Puxa, mudou tanta coisa. O fim da Embrafilme, embora tenha sido muito traumático no momento, no fim das contas foi uma coisa boa. Era um lugar de muita politicagem. Uma coisa é existir uma política para cinema. Outra coisa é a politicagem que se desenvolve em torno do cinema.
Agora está havendo uma renovação muito interessante, com cineastas muito fortes aparecendo. Só no ano passado estrearam a Tata Amaral ("Um Céu de Estrelas"), o Paulo Caldas e o Lírio Ferreira ("Baile Perfumado"), o Beto Brant ("'Os Matadores"). Foram três estréias animadoras. Tecnicamente houve também um progresso muito grande.
Apesar de tudo isso, sinto que o cinema brasileiro ainda é um cinema que está entrando pela porta do fundo, tendo a toda hora que demonstrar para o espectador que vale a pena, que pode existir.
O risco que você corre com isso é o de ter um cinema muito certinho, que foge ao espírito do cinema em que eu me formei, que era o de que aquilo que você tem a dizer é mais importante do que tudo.



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