São Paulo, sábado, 30 de maio de 1998

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DISCO - LANÇAMENTOS
Cave lança 'Best Of' e vai 'tentar' tocar no Brasil

DENISE BOBADILHA
especial para a Folha, de Londres

Se existe um lado B no cenário pop das últimas duas décadas, ele se chama Nick Cave. Elogiada pela crítica, cultuada por um círculo de fãs, mas com pouco apelo comercial, sua música foi afunilada e chega na coletânea "The Best of Nick Cave & The Bad Seeds", lançada agora no Brasil.
À frente de duas bandas -Birthday Party e Bad Seeds- desde 1980, o australiano Cave ("caverna", em inglês, e, por bizarro que pareça, seu sobrenome original), 40, é conhecido por sua música sombria, como se viesse das trevas. Perfeita para os 80, quando o compositor foi adotado por góticos ao redor do globo.
A associação antes irritava Cave, mas hoje faz parte do passado. "Sinceramente, não tenho medo de ser ligado a isso", falou, em entrevista à Folha. "Mas nunca fiz parte do que quer que seja esse tal movimento gótico."
Ouvir o "Best of..." de Nick Cave é trabalho para iniciados. Não deve ser mesmo fácil escolher 16 faixas de um artista que prefere fazer obras temáticas.
Pequenos contos pessoais ou fictícios se completam e contam histórias ao longo dos seus álbuns -o exemplo máximo dessa concepção é "Murder Ballads", que tem como temas serial killers e assassinatos.
Outras fases conhecidas de Cave são a de Berlim, quando colaborou com trilhas de filmes do diretor alemão Wim Wenders, e a de São Paulo, entre 1988 e 1992. Cave morava com a paulista Viviane, mãe de seu filho Luke, e viveu um período "maravilhoso" no Brasil. Mas não visita o país há muito tempo, "vários anos".
Depois de ter seu CD mais recente -"The Boatman's Call"- colocado entre os melhores de 97, Cave não tem planos para um novo disco. Em junho, apresenta-se no mais famoso festival de verão da Inglaterra, o Glastonbury.
Almoçando num hotel no oeste de Londres, o compositor nascido em Melbourne concedeu a seguinte entrevista à Folha.

Folha - Em 94, quando saiu o álbum "Let Love In", você disse que escreve muito melhor quando se sente deprimido. Isso ainda vale?
Nick Cave -
Não, não é mais assim. Para compor, o que importa é se manter aberto, pronto para todas as influências. Isto não tem mais a ver com estar feliz ou triste, mas sim preparado para tudo.
Folha - Como você se sente ouvindo o seu "The Best of..." hoje?
Cave -
Eu estava com muito, muito medo mesmo dessa compilação. É que nunca ouço meu próprio material, nunca ouvi música dos Bad Seeds ou do Birthday Party depois de ter sido feita. Temia não gostar. Mas, quando ouvi o álbum, notei o quanto o Bad Seeds é uma banda sensacional, brilhante, com músicos brilhantes. É subversivo e divertido. E muito, muito estranho. Eu senti orgulho de estar associado a esses músicos.
Folha - Há uma favorita?
Cave -
Gosto muito de "Stranger Than Kindness". "The End of the Day" é uma música maravilhosa, do tipo que eu aprecio.
Folha - As mudanças na sua vida sempre se refletiram explicitamente nos seus álbuns. Ouvindo hoje o resumo destas fases, há um período que lhe agrada mais?
Cave -
Berlim foi um período maravilhoso, não estou certo se isso se reflete na música, mas foi bom para minha vida. O Brasil também foi um momento especial. Na verdade eu tive muitos momentos maravilhosos.
Folha - O que viver em São Paulo trouxe para sua vida?
Cave -
É muito difícil dizer, eu estava apaixonado quando estava no Brasil e a Vivi (ex-esposa do compositor), como mulher, teve uma grande influência sobre mim. Não foi tanto o lugar, mas uma combinação de viver no Brasil e estar apaixonado... Foi maravilhoso. Acho que isso trouxe uma nova dimensão para minha música. Os álbuns que fiz depois de morar no Brasil têm uma variedade maior na música, não sei se foi um amadurecimento ou qualquer coisa do gênero. Minha música passou a parecer mais triste e mais romântica também.
Folha - Um novo álbum já está nos seus planos?
Cave -
Ainda não sei. Musicalmente, se eu fizesse um álbum amanhã, saberia como ele seria hoje, mas não estou gravando e acho que só irei fazê-lo em um ano ou mais. As coisas serão diferentes até lá. Não será como "The Boatman's Call", será diferente. Estou sempre em movimento.
Folha - Nenhum plano de tocar no Brasil?
Cave -
Eu adoraria tocar no Brasil. Nós tentamos no ano passado e no anterior, mas é muito, muito difícil. Parece virtualmente impossível poder tocar no Brasil. Nós queremos, mas não dá por razões que não entendo. Alguma coisa mudou?
Folha - Sim, particularmente nos últimos meses. Oasis, U2, Rolling Stones e Bob Dylan tocaram lá, além de Atari Teenage Riot e outras bandas que estão agendadas.
Cave -
Talvez então seja hora de tentar de novo.



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